Informativo >f
Arquivo Histórico de São Paulo
S.A.R.A. Brasil restituindo o Mapa Topográficc
do Município de São Paul
W 1 i
ve história da aerofotogrametri nas cidades do Rio e São Pauli na década de 192
JL 1 ■ fcETjPL M; |
* Li ktt ► |
|||||||
T |
||||||||
jrL |
||||||||
VT ^ M |
•. ff * |
K B— BT, |
__JbH ■ |
W jM* |
||||
Pyfíi »? 1 |
Er ■- |
7 “ |
||||||
r LmU B |
Pfr, MP |
HM |
||||||
BP |
r r — V | |
■m |
||||||
Cu. _ J |
«.Hl |
A ^ H í flft |
_ _ _ JhH |
Hf- u |
Jm - *** mm . w |
Bnr |
ar (K |
- |
|||
^Süm^ET - w '- k *j |
||||||
Sr |
‘5’ U -fj |
i r™w . L> " 1MI |
||||
TA |
»Bp] |
'HjlM ^áj V < |
||||
■ ífr ' |
jjt . S^. AjOg£k^*& |
|||||
Lr |
1 |
Prefeitura de São Paulo
Secretaria Municipal de Cultura
Fernando Haddad
Prefeito da Cidade de São Paulo
João Luiz Silva Ferreira Secretário de Cultura
Alfredo Manevy Secretário Adjunto
Guilherme Varella Chefe de Gabinete
Afonso Luz
Arquivo Histórico de São Paulo
Na capa, detalhe de fotografia aérea vertical atribuída ao levantamento realizado pela SARA Brasil, 1930. Escala 1:5.000
Na horizontal, trecho da Av.Brigadeiro Luiz Antonio, próximo à Av.Paulista. Em diagonal, à esquerda, a Rua Treze de Maio.
Acervo AHSP
S.A.R.A. Brasil:
restituindo o Mapa Topográfico do Município de São Paulo
breve história da aerofotogrametria nas cidades do Rio e São Paulo na década de 1920
PREFEITURA DE
SÃO PAULO
CULTURA
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Para citação, adote:
MENDES, Ricardo.
S.A.R.A. Brasil: restituindo o Mapa Topográfico do Município de São Paulo. Informativo Arquivo Histórico de São Paulo, ano 10, n° 37, dez.2014.
<http ://www.arquivohistorico . sp .gov.br>
Separata da edição em formato PDF
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez.2014
Sumário
Apresentação . 7
Anos 10: para o alto 9
As cidades vistas de aeroplano . 18
“Raids aéreos” . 27
Um novo olhar: fotogrametria . 32
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro 41
O Rio de Janeiro: a gestão Antonio da Silva Prado Junior . 47
Mãos à obra: no ar e nos jornais . 55
A Revolução de 30 . 63
Os príncipes britânicos no Rio . 65
São Paulo: de volta ao debate . 71
Do edital ao contrato . 74
Os personagens: Umberto Nistri . 79
Os personagens: os irmãos Robba . 82
Preparando terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil 89
S.A.R.A. Brasil: início das operações em campo . 99
Roma, primavera de 1930 121
A primeira folha: o Bom Retiro . 129
No prelo, depois de alguns atrasos . 133
Mistérios e desafios . 145
Rumo a uma nova geração de pesquisas . 159
3
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Anexos
I Etapas produtivas: Mapa Topográfico do Município de
São Paulo . 167
II Edital da Prefeitura do Distrito Federal (PDF), 9 de janeiro
de 1928 171
III Contrato entre The Aircraft Operating Company e PDF,
28 de março de 1928 181
IV Proposta de lei para edital: São Paulo, 1928 . 187
V Edital da Prefeitura do Município de São Paulo (PMSP),
16 de agosto de 1928 195
VI Contrato entre S.A.R.A e PMSP, 14 de novembro de 1928 201
Notas . 211
Fontes
Documentação primária . 295
Fontes bibliográficas . 296
Livros, Periódicos, Internet
Agradecimentos . 303
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Apresentação
Logotipo da empresa italiana S.A.R.A.
em papel timbrado, 1931.
Quase 90 anos marcam a realização no Brasil das primeiras aplicações da aerofotogrametria em grande escala no âmbito da gestão urbana com a realização dos levantamentos das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Esta edição do Informativo AHSP, a partir da documentação custodiada transferida nos últimos anos, traça um primeiro painel sobre um marco da cartografia paulistana representado pelo Mapa Topográfico do Município de São Paulo, contratado pela municipalidade em 1928. A contribuição original desta edição é inserir essa produção no âmbito de iniciativas similares como a levada a cabo na antiga Capital Federal, na gestão Antônio da Silva Prado Júnior (1926-1930).
Essas iniciativas definem uma mudança de escala e alcance da aero¬ fotogrametria no Brasil, bem como caracterizam modos de produção em parte distintos, com o emprego de restituidores automáticos no caso paulistano. Tal recurso introduziu ganho de produtividade efetivo no setor, respeitados todos os parâmetros de precisão, reduzindo equipes e tempo de produção.
Nessa aproximação a esse marco na cartografia paulistana do século XX foi possível também estabelecer uma cronologia mais detalhada sobre as ações da grande empreitada realizada empresa SARA Brasil e apresentar produtos remanescentes - fotos aéreas, fotomosaicos e cópias em tela transparente para reprodução das pranchas - em acervos paulistanos.
7
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Anos 10: para o alto
“A Inglaterra não é mais uma ilha”, comentário atribuído ao kaiser alemão Guilherme II ao saber da travessia pioneira do canal da Mancha pelo aviador francês Louis Blériot (1872-1936), em 25 de julho de 1909, marca o fim de uma fase pioneira da aviação. Em menos de cinco anos, o voo de aparelhos mais pesados conseguira avançar de percursos curtos, a poucos metros do solo, possíveis de serem realizados em hipódromos ou campos abertos, para vencer um trajeto de quase 40 quilômetros sobre o mar.
Alberto Santos Dumont (1873-1932), figura de destaque no período, é, no ano seguinte, em 1910, homenageado pelo Aero Club de France com busto no campo de Bagatelle, onde há muito pouco, em 1906, realizara o primeiro voo com o seu 14-Bis. Se o interesse pela aviação toma-se uma febre mundial, acompanhada pela imprensa com des¬ taque, objeto de orgulhos nacionais, a qual não escapariam os jornais brasileiros, a presença proeminente do brasileiro Santos Dumont será um estímulo adicional para que essa atualização ocorra pari passu ao circuito internacional.
A década que se segue trará novos desdobramentos para a aviação. Primeiro, na Europa e na América, com a tentativa de estabelecer bases comerciais para vários segmentos que se deslumbram desde o início da aviação como o tranporte de passageiros, correio, uso militar etc. O frenesi sobre o tema presente na imprensa é reflexo e agente importante na difusão e no incentivo à exploração de potencialidades. A introdução do cinema, em paralelo a esse processo, permitirá que as notícias ganhem nova forma. Cinema e aviação, dois dos traços mais visíveis da moder¬ nidade tecnológica, ganham o mundo.
Mesmo no Brasil, cujos principais centros urbanos apenas ao final da década de 1890 começam a sentir o impacto de novas ofertas técnicas como a distri¬ buição de energia elétrica, o transporte urbano com a introdução do
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
automóvel com motor à explosão, do bonde elétrico etc, as cidades mais importantes ainda apresentam traços urbanos que conflitam com o cresci¬ mento populacional e as novas demandas.
A explosão populacional nos principais centros brasileiros, notadamente no Sudeste, gerada pela intensa migração estrangeira cria, em paralelo, dificuldades de toda espécie e passa a exigir adequações e regu¬ lamentações. São Paulo, para ficar num exemplo próximo, vê acontecer em seu centro urbano ações pontuais da municipalidade, como o realinhamento e alargamento de vias principais. A própria máquina administrativa, na velha República, passará por várias remodelações, titubeantes às vezes, para dar conta das demandas, iniciaticas sujeitas ao panorama econômico e político local e mundial.
Os poucos anos que antecedem ao conflito mundial deflagrado em 1914 são assim um momento em que o interesse pelas conquistas tecnológicas dividem espaço com noticiário político internacional em grande mobilização.
A fase pioneira da aviação ganha espaço tanto na indústria e no comércio como no comportamento e imaginário social. Em 1910, Raymonde de Laroche (1882-1919) é a primeira mulher a receber na França, do Aero- Club de Paris, um brevet, sua autorização para voo.
Cabe ao migrante, engenheiro e inventor prolífico, Dimitri Sensaud de Lavaud (1882-1947), realizar em 7 de janeiro de 1910 em Osasco, então subúrbio distante da cidade de São Paulo, o primeiro voo na América Latina1. Os jornais dão cobertura imediata do fato. Seu avião "São Paulo”, desenhado por Dimitri e fabricado localmente, é exposto em teatro no centro da cidade2.
Rio de Janeiro e São Paulo, como outras cidades brasileiras, começam a receber também os primeiros aviadores estrangeiros que realizam voos de
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
O voo pioneiro de Dimitri Sensaud de Lavaud, em Osasco, município de São Paulo, em aeronave por ele desenvolvida é o tema do livro 1910: o primeiro voo do Brasil (2010), de Suzana Alexandria e Salvador Nogueira.
demonstração ou concorrem a prêmios. Claro, chegam ainda por terra ou mar. Entre tantos visitantes, o cinema, esse parceiro midiático da aviação, registra em 1911, numa produção da Serrador, as experiências realizadas pelo italiano Germano Ruggerone em 6 de janeiro no Prado da Mooca.
Intitulado Ruggerone, os primeiros voos em aeroplano no Brasil, a fita com quase 20 minutos é exibida no velho Bijou, na Rua São João, no dia 13, e no High Life, dia 20. Certamente a morte do aviador italiano Giulio Picollo, dias antes no Velódromo, em evento em que ambos, participavam atraiu mais interessados. As cenas são descritas em parte na imprensa local:
Além de outros voos em que o célebre aviador foi acompanhado, vé- se a arrojada Senhorita Mlle Renata Crespi, filha do capitalista Senhor Rodolfo Crespi, que com toda a coragem, deu diferentes voltas em redor da pista, o distinto sportman Sr Guilherme Prates,
Sr Papini Menotti e outros que também demonstraram coragem e serenidade. (...) Depois dos voos, apreciam-se as arquibancadas cheias de tudo que São Paulo tem de melhor, isto é, a elite paulistana 3.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Ao cinema, ao raid automobilístico, ao ciclismo e outras novidades vêm se juntar como novo divertimento as exibições aeronáuticas. Os novos esportistas, endinheirados ou amantes da velocidade, tornam-se eles também parte do noticiário.
Com a incorporação das demonstrações de voo ao rol dos eventos públicos, surgem ofertas ou referências à nova prática social.
Em anúncio na nova publicação A Cigarra, em seu número 8, de 1 de agosto de 1914, o representante local do "afamado fabricante Zeiss" oferece com destaque binóculos "para corridas, aviação, foot- ball, etc", todos estes novos costumes incorporados ao cotidiano das grandes cidades do Sudeste.
Aqui, detalhe da ilustração do anúncio.
Acervo Arquivo Público do Estado de São Paulo
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Logo, outra parceria ganha espaço nos jornais: fotografia e aviação. Em 1912, a capital federal realiza sua “primeira semana de aviação” e recebe entre seus participantes o francês Roland Garros (1888-1918). O aviador, que tivera sua prática inicial como piloto em 1909 num modelo Demoiselle, desenvolvido por Santos Dumont, tem sua participação registrada no Cine Jornal Brasil n°l4, exibido nos cines Bijou e High- Life em 5 de fevereiro, como descreve a imprensa:
Titulo dos quadros: (...) 4. Primeira semana da aviação no Rio. -
5. O Sr. Presidente da República visita os aviadores no hangar -
6. Garros no seu monoplano Bleriot. - 7. Conduzindo o monoplano para o campo da aviação - 8. Voos de fantasia pelo arrojado aviador Garros. - 9. Do Jockei Clube a Niterói. —10. Sobre a Baía da Guanabara. - 11. Evolução sobre a cidade de Niterói. 12. Do Rio a Teresópolis, Garros vencedor do prêmio de 50:000$000.
(O Estado de S. Paulo, 6 de fevereiro de 1912, p.9)
Não são as fotos realizadas pelos profissionais da imprensa, carioca e paulista, que interessam aqui, mas sim aquelas que ilustram, em 10 de fevereiro, a Revista da Semana, periódico carioca, em grande formato, um dos principais do período5. Num oferecimento do piloto, a revista publica fotos feitas por ele a partir do seu avião Blériot, rumo a Petrópolis. O mosaico com 4 imagens constituem, provavelmente, as mais antigas imagens aéreas conhecidas do Rio, capital federal, feitas de aeroplano. Nova surpresa, traço contemporâneo, surge agora: são pares estereoscópicos que revelam a vista das montanhas cariocas, parte da cauda do avião e finalmente, Petrópolis, numa tomada que apresenta a “cidade serrana em forma de mapa”, como infonna o texto6.
As “grandes travessias” ganham espaço na imprensa brasileira já no início da década de 1910. Atraindo pilotos estrangeiros e brasileiros, estimulados ainda por prêmios em dinheiro, prática presente desde da virada do século, elas crescem em número e distância a percorrer.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
estereoscópicas feitas durante voo do Rio a Petrópolis à Revista da Semana, publicadas na edição de 10 de fevereiro de 1912. Das imagens de balão feitas por Botelho em 1905, bastaram poucos anos para surgir nova vertente: o Rio visto do alto.
Entre as quatro imagens publicadas, apenas esta parece cobrir trecho litorâneo. As demais apresentam trechos serranos e a vista da cidade de Petrópolis.
Acervo Biblioteca Nacional
Ao lado, detalhe de papel de carta com timbre da Escola de Aviação Curtiss.
Processo 40.667/21, nov.1921
Acervo AHSP
14
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Em 1912, por exemplo, o piloto brevetado no ano anterior na França, o paulista Eduardo Pacheco Chaves (1887-1975), originário de família de grandes cafeicultores, realiza o trajeto, ida e volta, de São Paulo a Santos. Dois anos depois, em 5 de julho, partindo da Mooca, Edu Chaves, realiza em 6 horas o voo, pioneiro, entre São Paulo e Rio de Janeiro, a uma velocidade de 80 km/h, alcançando a altitude de 2.000 metros.
A primeira escola de aviação surge no Rio de Janeiro - o Aero Club Brasileiro, fundado em 1911 pelo tenente Ricardo Kirk, mas em atividade efetiva apenas em 1916. Associações do gênero se sucedem nos anos seguintes, mas as escolas de origem militar marcam presença. Três anos depois, em 1914, tem início as atividades da Escola da Aviação da Força Pública, de São Paulo, primeira de caráter militar, baseada no Guapira, campo do aviador Edu Chaves, ao norte da capital. No mesmo ano surge a Escola Brasileira de Aviação - EBA, no Campo dos Afonsos, no Rio, onde também funcionava o Aero Club7. Em 1916, surge a Escola de Aviação Naval8, também no Rio, e três anos depois a Escola de Aviação Militar, do Exército, na mesma cidade.
Em muitas das iniciativas particulares, mas também nas militares, participam de início pilotos estrangeiros, muitos dos quais nos anos seguintes têm destaque em vários setores do campo da aviação.
director:
ORTON W. HOOVER
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Um Zeppelin manobra sobre Antuérpia dias antes da queda da cidade frente às tropas alemãs.
A Cigarra, de 29 de outubro de 1914, traz imagem realizada pelo correspondente da revista The Sphere, de Londres.
Acervo Arquivo Público do Estado de São Paulo
Em São Paulo, apenas em 1921 surgem iniciativas particulares para estabelecer escolas de pilotagem como a Escola de Aviação Curtiss. Tentativas de criação de um aeroclube ocorrem na mesma época, forma de compartilhamento e difusão adotada então.
Com a deflagração da Grande Guerra, em 1914, esse panorama agitado dá lugar entre nós a um momento de pausa. A redução do ritmo mundial da economia e o esforço de guerra levam a pesquisa e exploração da aviação para o campo de batalha. De início como meio de observação, mas pouco a pouco como elemento ativo no bombardeio, ao lado dos grandes dirigíveis.
Mesmo no Brasil, essa nova função, além da própria implantação das escolas de aviação militares, tem presença. Em abril de 1914, o aviador Cicero Marques, um dos participantes pioneiros da Escola da Aviação da Força Pública de São Paulo, oferece-se ao Exército para participar nos combates da Guerra do Contestado (1912-1916), conflito em região do Paraná que mescla exploração econômica por grandes grupos e resistência de movimentos populares. O desinteresse do Ministério da Guerra em oferecer um aeroplano adequado frusta a iniciativa. No ano seguinte, o Exército conta com 2 aviões de reconhecimento na região, mas a empreitada terá pouco fôlego, terminando com a morte em acidente aéreo do Tenente Ricardo Kirk.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
B tomada dn Hntucrpia
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
A novidade contamina até mesmo as vinhetas.
A Cigarra, 6 de julho de 1915.
As cidades vistas de aeroplano
1919, em 1 de junho, o magazine^ Cigarra, “revista de maior circulação no estado”, como se apresenta, anuncia em O Estado de S.Paulo, o lançamento na segunda-feira seguinte da nova edição9 que traz com destaque - “pela primeira vez no Brasil" - imagens da cidade vista do alto10.
Nessa edição, além de imagens do centro e do Brás, a primeira feita em voo do qual participou o prefeito Washington Luís (1914-1919), o articulista Delpes comenta o uso estratégico que teve a fotografia na I Guerra na observação de tropas e a necessidade de aprimorar a técnica para vencer não só a camuflagem, mas as dificuldades usuais do registro fotográfico aéreo:
Mas não foi só contra a dissimulação que teve que lutar a fotografia. Forma-se muitas vezes sobre a terra uma espécie de fumaça tênue e azulada, invisível de baixo para cima, mas que, vista do alto, assemelha-se a imenso véu estendido sobre a paisagem,
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
prejudicando a nitidez dos detalhes e tornando necessário o uso de lentes finíssimas. E na guerra a artilharia antiaérea obriga os aviões a planarem sempre à grande altura, de modo que os aparelhos fotográficos são providos de grande foco para aproximar a objetiva. Isso faz com que certos aparelhos, com cerca de dois metros de comprimento, mais se assemelhem a um canhão do que a uma máquina fotográfica. Torna-se mesmo necessário o uso da telefotografia, que não é nem mais nem menos do que uma máquina fotográfica instalada no fundo de um óculo de alcance.
Como a fotografia comum não dá ideia exata das dimensões, devido à perspectiva que aumenta o tamanho dos objetos próximos e diminiu o dos mais distantes, os aparelhos são calculados rigorosamente, para que as fotografias tiradas de uma certa altura corresponda exatamente a uma determinada escala. Ainda mais, a máquina tem que fotografar ao mesmo tempo que a paisagem, a posição de duas pequenas pendulas de vidro graduadas, que estão no interior da câmara escura e que indicam a inclinação lateral e longitudinal do aeroplano no momento em que foi tirada a fotografia. Essas indicações, que são indispensáveis, têm por fim facilitar uma verdadeira arte que é a restituição fotográfica e são obtidas por um engenhoso dispositivo formado por pequenas lentes que desviam os raios luminosos da objetiva.
Nas grandes alturas em que voam os aviões o frio é intenso, às vezes de 40 graus abaixo de zero, o que diminui a sensibilidade das chapas, tornando-se necessário aquecer eletricamente o aparelho fotográfico. Existem também dispositivios para evitar os fenômenos de condensação e tornar automática a substituição das chapas. Porém a última palavra é o aparelho cronofotográfico que é sincronizado ao aeroplano e que comporta uma geratriz de corrente elétrica, uma caixa de conexão e um comando mecânico. Dispondo-se as engrenagens do aparelho de acordo com a altura e a velocidade do avião em relação ao solo, podem obter-se centenas de fotografias formando um único panorama.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
As imagens do alto nada têm de inocente nessa descrição, ainda que ilustrem uma revista de variedades: são frutos da guerra. As tomadas oblíquas do centro da cidade, realizadas pelo tenente observador Dorsaud (Dorsand), acompanhando os voos dos capitães Etienne Lafay e Eduardo Verdier, todos participantes de missão francesa de treinamento do Exército brasileiro, espalham-se pela imprensa. Não apenas vistas de São Paulo11, mas do Rio em especial12.
- Paulo, Centro, Visito cie Aeroplano
As primeiras imagens da cidade, a partir de aeroplano, surgem em 1919,
como anunciad Cigarra, de 1 de junho.
Aqui, vê-se o centro histórico. Na parte baixa, o Teatro Municipal. Com destaque, quase ao centro da imagem o Mosteiro de São Bento e o novíssimo viaduto de Santa Ifigênia. Ao fundo, o Parque do Carmo, com os bairros do Pari e do Brás, ao fundo.
20 Acervo Arquivo Público do Estado de São Paulo
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Tomadas similares, agora em movimento, ganham espaço no documentário O Rio em aeroplano, produção da Omnia Filme, a partir do avião pilotado, mais uma vez, por Lafay, instrutor na Escola de Aviação mantida pelo Exército, rara produção cujas imagens foram preservadas13. Exibida nos cines Royal e Central em 20 de setembro de 1921, a película é comentada pela imprensa:
Vistas animadas de 50 a 1.250 metros de altitude. Pela primeira vez um operador ousou registrar num filme completo. Os aspectos novos, curiosos e originais das belezas do Rio de Janeiro. Glorioso documento reunindo a coleção de 14 ascensões: No Campo dos Afonsos, a partida - Os subúrbios e o Instituto de Manguinhos — Aspectos do cais do porto, arsenal, Ilha das Cobras —
O deslumbramento da baía e os vasos de guerra - Avenida Central, as ruas do centro, o Monroe, os Arcos, etc — Dominando o cume do Corcovado e abrindo voo do Corcovado até o Pão de Açúcar. Topografia do Flamengo, Glória, Botafogo, Copacabana e as demais avenidas à beira mar - Visões das ilhas Governador, Fiscal,
Enxadas, Viana e outras.
{O Estado de S. Paulo, 20 de novembro de 1921, p. 1 3)
Não apenas os voos retomam então, com o fim do grande conflito mundial, mas o panorama de atividades cresce em escala, frente ao pré- guerra, e traz novos temas. Entre eles, a discussão de um “código do ar” apresentado pelo [ministro Afrânio] de Mello Franco no congresso. Eco raro, considerando a área de ação, é a réplica na nascente imprensa especializada em fotografia, ainda de curto alcance, que critica a claúsula 44 do projeto por proibir “o uso, pelos tripulantes ou passageiros, de qualquer aparelho fotográfico ou máquina que sirvam para a fixação de imagens”. Publicado na Illustração Photographica, em junho de 1919, o foco da contestação é garantir a liberdade de ação dos profissionais da fotografia, de modo a impedir restrições a novos usos como a fotografia áerea14.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
O interesse pela aviação cresce aceleradamente. Agora, em um quadro mais complexo, com novos agentes. Econômicos por um lado, como representantes de fabricantes de aeronaves, escolas etc, e, por outro, novos participantes, não mais restritos a interessados originários da burguesia local, mas técnicos fonnados nas escolas de aviação, mecânicos e todos os demais operadores necessários para implantar, ainda que de forma incipiente, uma estrutura para a aeronáutica civil.
Datam também desse período longas séries de decretos federais concedendo permissões a interessados em estabelecer serviços de trans¬ porte de carga e passageiros. Como exemplo, é o que faz o decreto 13.567, em 26 de abril de 1919, concedendo a João Varzea permissão desses serviços “entre as principais cidades do Brasil e entre estas e o estrangeiro”15. Apenas em 1927, porém, começam a funcionar no país serviços regulares16.
A aviação como “espetáculo” continua como tema importante na imprensa, no cinema, na “vida em sociedade”. Agora, porém, como fenônemo de massa, tendo como fundo especial as próprias comemo¬ rações do Centenário da Independência.
O cinema, mais uma vez, pode ser usado aqui para indicar marcos simbólicos. Em 1920, é exibido no Teatro Salesiano, em 2 de outubro, a grande produção, em 5 (ou 6) partes, fdmada com “três” operadores - Festejos ao Príncipe Aimone. A recepção em São Paulo à sua alteza real italiana é registrada em todos os pontos da cidade visitados pela comitiva, da Estação da Luz ao piquenique no Parque Antártica, e a “soberba” manifestação no campo do Palestra. Sem deixar de mencionar, o que nos interessa em especial por introduzir novos personagens: os “arrojados voos dos aviadores Edu [Chaves] e irmãos Robba”17.
Semanas depois, o cine Congresso, exibe em 19 de outubro o filme, em 5 partes - Os reis da Bélgica em São Paulo. Produzido e realizado pelos
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
aviadores italianos Robba e Domingos Bertoni (7-1924), o filme sucede produção similar, da Fox, sobre a passagem das altezas reais pelo Rio de Janeiro. Os festejos, na produção carioca, são filmados por 3 operadores, um deles João Etchebehere, de avião, e outro, A. Junqueira, em auto¬ móvel e no mar18. A novidade é explorada por várias produções, em especial na chegada dos aviadores portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho, em 1922, tema da fita Raid Lisboa-Rio : “(...) 6 operadores em vôo pela cidade do Rio multiplicaram os seus esforços com o fim de dar ao público toda a beleza da realidade”19.
As “tardes de aviação”, eventuais antes da Grande Guerra, retomam com força. Os voos realizados no Parque Antártica ou no Prado da Mooca ganham agora espaços “próprios”: os aeródromos.
O jornal Rossi Atualidades, produção da Rossi Filme, em sua edição 23, exibida em 15 de novembro de 1922, no Cine-Teatro República, entre recepções ao Presidente da República, inaugurações de estrada de rodagem etc, inclui cenas da “tarde de aviação no aeródromo da gentil sota Tereza de Marzo”. Quase um mês após, o mesmo jornal Rossi Atualidades, agora na edição 25, exibida em 12 de dezembro, destaca entre suas notícias: “Inauguração do novo aeródromo dos irmãos Robba”20.
Thereza de Marzo (1903-1986) e Anésia Pinheiro Machado (1904-1999) são as primeiras brasileiras a receber licença para pilotagem, em 1922, tendo ambas como treinador Fritz Roesler (7-1971), com o qual a primeira se casará, abandonando a aviação. Anésia ganha fama ao ser pilota pioneira a fazer a travessia solo entre São Paulo e Rio em setembro de 1922, cinco meses após receber a licença21.
Foi no Aeródromo Brasil, no Ipiranga, que Thereza inicia seu treinamento com os irmãos Robba: João e Henrique22. Logo depois a aviadora inaugura seu próprio aeródromo e escola, que têm pouca duração.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Uma aviadora paulista
Anesia Machado, sobrinha do General Pinheiro Machado, posa com seu instrutor, tenente Reynaldo Gonçalves, nas instalações da Escola de Aviação Curtiss, no aeródromo de Indianópolis.
A Cigarra, 15 de fevereiro de 1922.
Acervo Arquivo Público do Estado de São Paulo
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Na zona norte, Edu Chaves tinha seu campo particular no Guapira desde a década de 1910, sem mencionar as instalações iniciais do Campo de Marte, tradicional área na várzea do Tietê, que recebe na década de 1920 as primeiras ocupações pela aviação. Data do mesmo periodo, com o crescimento explosivo do número de interessados, a implantação do Aero Club de São Paulo, que surge com diferentes denominações na imprensa.
Os irmãos Robba, além de manter o campo de aviação e as aulas, buscam novas oportunidades comerciais. Em fevereiro de 1922, a revista A Cigarra registra viagem a Ribeirão Preto de grupo formado por João Robba, o tenente engenheiro Giuseppe Cometto e o mecânico, e futuro piloto, Vasco Cinquini (1900-1930), todos apresentados como associados ao Aeródromo Brasil. O propósito era avaliar a implantação de rotas aéreas comerciais23. Os Robba continuariam a procurar novas frentes24.
As “tardes de aviação” são, nesse contexto, um empreitada comercial, momento publicitário por excelência. Essas ações se mesclam ainda com eventos muito próximos como homenagens e participações em paradas militares nas datas nacionais. Um exemplo acontece no domingo, 1 de abril de 1923, no Aeródromo Brasil, “em homenagem à missão fascista italiana” a São Paulo, como indicam notas sobre o filme O fascismo em São Paulo, da Rossi Filme, exibido no República no dia 9 seguinte. E o tema também da produção da Ubirajara Filme, exibida no mesmo cinema no dia 16 - Uma bela tarde de aviação 25 :
Um admiravel filme tirado em S. Paulo.
Completa reportagem da grande festa que os aviadores fascistas italianos efetuaram há dias no Aeródromo Brasil. (...) Chegam ao campo as mais distintas famílias da Pauliceia - A formidável assistência daquele dia. - Os primeiros voos — Sotas e ases: Thereza de Marzo e Fritz Roessler - Anésia P. Machado e Reynaldo Gonçalves — O Tenente Musa - O conde Matarazzo e o dr. Fonseca
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Cotching — O corajoso aviador Umberto Ré recebe felicitações — Bombas lançadas pelos aviadores explodem em pontos previamente marcados — O glorioso às fascista Ré Umberto e seus companheiros posam para a Ubirajara Filme. Aprestos para a partida - A aplicação do paraquedas - Alçando voo — A mil metros de altura - A dois mil metros — Afinal a três mil metros - A grande prova do dia - Um extraordinário salto no vácuo! - Debaixo do céu de anil de nossa pátria cruzam-se, num fraternal abraço, a gloriosa bandeira brasileira, o sagrado pavilhão da Itália e o emblema vitorioso do fascismo' de além-mar!
(O Estado de S. Paulo, 16 de abril de 1923, p.8) 26
A, Aviacflo no Interior cio Estado
A missão a Ribeirão Preto empreendida em fevereiro de 1922 pelo piloto João Robba, o tenente Cornetto e o mecânico Cinquini é registrada na imprensa. Aqui, em A Cigarra, do dia 15, mas o mesmo flagrante da equipe junto ao avião é reproduzido na revista carioca O Malho, do dia 18, ambas notificando a intenção de implantação de rotas aéreas comerciais.
Acervos Arquivo Público do Estado de São Paulo e Biblioteca Nacional
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
‘Raids aéreos
Tão populares quanto a matriz automobilística da década anterior, os raids aéreos ganham por sua vez nova escala, agora de alcance global. Edu Chaves, que realizara a travessia São Paulo-Rio em 1914, completa em janeiro de 1921 o raid Rio-Buenos Aires. Em 1923, noutro exemplo, o Brasil recebe os aviadores Pinto Martins, brasileiro, e Walter Hinton, norte-americano, que fazem a ligação Nova York-Rio.
Em 1927, os italianos Francesco De Pinedo (1890-1933), Carlos Del Prete (1897-1928) e Vitale Zacchet, realizam voo partindo de Roma e percorrendo longo percurso pelas Américas; no mesmo ano é o brasileiro João Ribeiro de Barros (1900-1947), que, com o avião Jahú, completa a travessia Genova-São Paulo. No ano seguinte, o italiano Del Prete realiza a façanha de fazer o percurso sem escalas entre Roma e Touros, no Rio Grande do Norte, num total de pouco mais de sete mil quilômetros. A cidade do Rio de Janeiro, em especial, torna-se ponto de passagem obrigatória; ao lado é claro de cidades no Nordeste, pontos fundamentais para voos vindos da América do Norte, Europa e África.
Datam do início da década de 1920 os principais marcos que sinalizam o crescente interesse do público, talvez os primeiros grandes fenômenos de massa da cidade. A recepção nas cidades brasileiras aos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, pioneiros da travessia do Atlântico Sul em 1922, ganha dimensões inusuais. Antecedendo a chegada do rádio no país, cuja primeira transmissão teria lugar meses depois, a população acompanha através de telegramas na imprensa os desdobramentos do raid desde a partida em 30 de março de Lisboa à chegada ao Rio em 17 de junho de 1922.
A imprensa local, em especial os veículos cariocas e paulistanos que desde a década anterior têm na fotografia um novo recurso visual, explora o evento.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
A Cigarra faz homenagem a Edu Chaves em janeiro de 1921 quando vence o raid Rio- Buenos Aires. O Malho, grande magazine carioca, exalta em maio de 1927 a tripulação do Jahú, sob comando de Ribeiro de Barros, ao completar a travessia Genova-São Paulo.
Acervos Arquivo Público do Estado de São Paulo e Biblioteca Nacional
Ao lado, multidão acompanha as notícias do raid do Jahú, na porta da redação do jornal carioca^l Patria. Como de hábito, fotos e telegramas de notícias recentes eram expostos nas vitrines e entradas dos jornais. O Malho, 1 de maio de 1927.
28 Acervo Biblioteca Nacional
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
A revista A Cigarra, por exemplo, publica imagem de logradouro da cidade de São Paulo tomado pelo público logo após a divulgação da chegada dos aviadores ao Rio27. Festas e comemorações diversas esperam os aviadores portugueses, que se estendem a São Paulo no mês seguinte. Num sábado, 8 de julho, o Aero Club de São Paulo realiza evento com provas de aviação no Prado da Mooca, oportunidade única para os adeptos e personalidades locais tomarem parte28. Lá estão o tenente Reynaldo Gonçalves, primeiro lugar na prova de “aterragem de precisão”, Edu Chaves, primeiro lugar em velocidade, Anésia Machado e Henrique Robba. A Cigarra publica com destaque mosaico de fotos dos participantes e inclui ao centro o retrato de João Robba, primeiro lugar em acrobacia29.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Fenômeno de massa, em sintonia midiática, será a recepção ao hidroplano Jahú, em 1927. Comemorando a travessia entre Cabo Verde e Fernando de Noronha realizada em 28 de abril, São Paulo recebe o piloto e sua equipe30. O fato atrai grande multidão, como descreve, num tom frio, mas em excepcional registro, o relatório da diretoria da The São Paulo Tramway, Light & Power, empresa responsável pelo sistema de bondes elétricos e fornecimento de energia elétrica para a capital:
A maior ocorrência relacionada com o material circulante ocorreu em 1 de agosto, quando mais de 100.000 pessoas sairam para receber o hidroavião 'Jahú' chegando da Europa. A recepção teve lugar no Reservatório de Santo Amaro, cerca de 16 quilômetros da cidade propriamente dita.
O Tráfego cuidadosamente organizou os carros em grupos de acordo com as características da via. Os grupos de carros deixariam o Largo da Sé em determinados intervalos (...)
Os passageiros em vários carros foram contabilizados ao longo do dia numa média de 371, sendo 75 no telhado, 155 nos estribos e 141 dentro dos veículos. Embora os carros tenham sido projetados e construídos para suportar apenas de 65 a 90 passageiros, transportaram ao longo do dia uma sobrecarga entre 400 e 500%. O equipamento resistiu maravilhosamente, sem qualquer defeito mecânico ou elétrico 31.
A figura heróica do aviador faz parte assim das décadas de 1910 e 1920 de forma única, expressão individual de uma indústria complexa. É oportuno comentar, marco importante nessa construção, que menos de um mês após o raid do Atlântico Sul pelo Jahú, Charles Lindbergh (1902-1974), realiza entre 20 e 21 de maio a travessia entre o estado de Nova York e Paris em seu voo solitário no Spirit of St Louis32.
Completando esse fenômeno midiático, em especial nas aproximações entre aviação e cinema, seria oportuno comentar o lançamento em 31 de
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Cena do filme Hei de vencer "apanhada" em pleno voo sobre o Campo de Marte: aviação e cinema constituem campo irradiado de valores de uma modernidade técnica.
A Cigarra, 15 de fevereiro de 1924.
Acervo Arquivo Público do Estado de São Paulo
outubro de 1925 do longa-metragem brasileiro: Hei de vencer. Produção de grande porte da Guanabara Filme, sob coordenação de Antonio Tibiriçá, tem como “operador” Luís de Barros (1893-1982), importante diretor nas décadas seguintes.
O filme de aventuras, realizado no Rio e São Paulo, tem como centro mais do que o enredo esperado, as aventuras dos aviadores33. Com destaque na imprensa para a participação dos aviadores João Robba, Reynado Gonçalves e Anésia Pinheiro Machado, todos eles representantes conhecidos do período, são as acrobacias mirabolantes que ganham espaço nos anúncios e no cartaz com cenas de batalha aérea. Em 7 de fevereiro, como anuncia a imprensa local34, o ator Antonio Sorrentino salta a 200 metros de altura entre os aviões pilotados por João Robba e Anésia Machado sobre o Campo de Marte!
Ficção e realidade, numa expressão clássica, parecem se misturar, ou encontram, talvez, seu ponto de confluência ideal. 3 1
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Um novo olhar: fotogrametria
Em menos de quinze anos após o vôo baixo sobre o campo de Baga- telle, a aviação constituia-se como espaço de grande investimento material e simbólico. Indo além do desenvolvimento de aeronaves, formação de equipes de uma vasta gama de especialidades e implan¬ tação de infraestrutura civil e militar, novos usos e funções começam a tomar forma.
A fotogrametria, em aplicação prática desde as duas últimas décadas do século XIX, não parece ter registro no Brasil até o início do século XX. Idealizada a partir da interpretação analítica de fotografias, o processo permitia registrar a volumetria de determinados terrenos em forma cartográfica. Realizada a partir de fotos tomadas em pontos elevados e mesmo a partir de navios, a fotogrametria tinha uso estabe¬ lecido na Europa e América do Norte.
Não que seu uso fosse desconhecido dos engenheiros e técnicos brasileiros da década de 1890. Um exemplo disso é a resenha, em 1896, de Louis Cruls (1848-1908), atuante desde meados dos anos 1870 no Observatório Imperial do Rio de Janeiro, sobre a obra de Gélio Towne, editada no mesmo ano em Paris pela Livraria E. Bertaux. O livro, intitulado Astrono- mie, Astrophysique, Géodesie, Topographie et Photo gr ammétrie pratique, escrito em dois volumes, recebe apreciação positiva, embora com pequenas ressalvas sobre seu caráter eminentemente prático35.
Ainda assim o desenvolvimento do campo seria objeto da bibliografia técnica que os engenheiros brasileiros na virada para o século XX dispunham, como também tinham contato em seus programas curri¬ culares. O Brasil, além disso, interessava a aqueles que pretendiam explorar comercialmente o sistema. Ao menos, quanto à garantia de patentes. Assim, os registros publicados nos Diários Oficiais, da União, permitem acompanhar os avanços no setor.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Em 26 de dezembro de 1906, por exemplo, Theodor Scheimplug (1865- 1911), domiciliado em Viena, Áustria, apresenta, através de representante legal no Rio de Janeiro, um memorial descritivo sobre “novo processo de obtenção de cartas topográficas” para registro de privilégio de uso no país.
Seu processo, objeto de longa argumentação, sem descrição precisa de equipamento ou metodologia, busca garantir a precisão no uso de foto¬ grafias obtidas por balões e pipas, como também de navios e pontos elevados, através da “detenninação exata do ponto de tomada” e reti¬ ficação, estabelecendo a transposição da imagem em perspectiva central para projeção ortogonal, permitindo então a geração de mapas. O processo possibilitava a retificação pelos “métodos atuais da fotogrametria” (análíticos e geométricos) como do “stero-comparador de Pulfrich”36, produzido pela casa Zeiss, de Jena. O privilégio é concedido sob o número 4.836 e publicado em 20 de fevereiro de 190737.
Longo período, parte devido ao tempo de desenvolvimento das pesquisas e parte pelas dificuldades impostas pela Grande Guerra, se estende até novo registro do gênero. Em 17 de agosto de 1921, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, dá privilégio de exclusividade por 15 anos a Umberto Nistri (1895-1962), oficial do Exército italiano, estabelecido em Roma, que solicita registro de patente para “um novo processo fotogra- métrico para levantar plantas, e um aparelho para esse fim”, conforme registro publicado em 7 de setembro sob número 12.19238.
Um memorial extenso explica o conceito do processo e do equipa¬ mento proposto por Umberto Nistri, sendo publicado na edição do dia 21 do mesmo mês39. O sistema, como outros que lhe são con¬ temporâneos, introduz uma alternativa, o que veremos adiante, aos métodos empregados pela fotogrametria, de natureza analítica- geométrica, utilizando equipamentos que permitem, numa expres¬ são da época, a obtenção “automática” das pranchas cartográficas com curvas de níveis. Associavam-se desse modo ganho de produ¬ tividade e maior acuracidade.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Contribuição promissora para o uso entre nós da fotogrametria ocorre em outra esfera, através das ações do Estado no setor militar. É no Ministério da Guerra, no início da República, que ato legal cria o Serviço Geográfico. Embora seja longo e moroso o processo de sua efetiva implantação, como veremos, sua produção é conhecida de seus contemporâneos40.
Sinal disso, é artigo publicado em julho de 1927, sobre navegação fluvial, que transcreve projeto apresentado à Camara Federal por Aarão Reis, deputado pelo Pará. Seu escopo é o serviço de navegação e a necessidade de intensificação e desenvolvimento do setor nas bacias dos rios Paraná e Paraguai. Citando fala do deputado, que prevê em sua proposta o uso de hidroaviões, com base em Corumbá, fica claro o conhecimento das atividades do Serviço Geográfico:
Além disso, será possível, desde logo, utilizar os aviões daquela linha, sem prejuízo do tráfego regular, e, com pequena despesa, nos serviços de levantamento topográfico daquela vasta região, empregando o método 'aero-estéreo-fotogramétrico', com tanto sucesso e proficiência já aplicado pelo excelente 'Serviço Geográfico do Exército', que, em pouco tempo, poder-nos-á preparar, assim a cartografia definitiva do trecho do rio Paraguai sob nossa jurisdição e da região adjacente 41.
Meses após a proclamação da República, o decreto federal n° 451 -A, de 31 de maio de 1890, reorganizava o Observatório do Rio de Janeiro42 e subordina-o ao Ministério da Guerra43. Cria-se então o “serviço geographico”, cujo regulamento consta daquele ato legal, estabelecendo seu perfil como unidade de produção e formação especializada em cartografia44. Meses depois, novo decreto, n" 859, em 13 de outubro, cria no Observatório uma escola de “astronomia e engenharia geográfica”.
A proposta do Serviço Geográfico não foi, tudo indica, implantada em termos práticos. Suas funções voltam a ser reividicadas em 1900
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
no âmbito das discussões sobre o Projeto da Carta Geral do Brasil. Há grande ênfase nas argumentações sobre o mapeamento do terri¬ tório quanto às fronteiras e, em especial, na região do Rio Grande do Sul, palco de grandes conflitos enfrentados no século XIX com os países platinos.
Quase duas décadas depois, em meados da I Guerra Mundial, em 1917, tem início ações efetivas para organização do então Serviço Geográfico Militar, subordinado, como diversos outros núcleos de apoio técnico, diretamente ao Estado-Maior do Exército. Naquele ano, em 6 de junho, o decreto n° 12.503 abre créditos diversos entre eles “para maquinismos, sendo 15:000$ para trabalhos preliminares de organização e execução do serviço geográfico militar, concernente à estereofotogrametria e topografia militar, 500:000$”. Mais adiante, em 4 de setembro, o decreto n° 12.631 destina mais 50$000 para “trabalhos preliminares de organização e execução do serviço geo¬ gráfico militar”45.
O setor é instalado, em 1917, na antiga fábrica no Morro da Conceição, área central da capital federal, edifício que se encontra quase em ruínas, mas, ressalva o relatório, em condições de uso. As atividades se encontram organizadas, de início, em grupos especializados: geodésia, topografia, estatística regional, estereofotogrametria e topografia expe¬ dita. Essa organização ganha com o tempo novas configurações.
Nos anos seguintes pouco se sabe sobre aquela unidade, porém46. Em 1921, as atividades registradas no relatório anual indicam a ampliação das instalações com a compra do Palácio do Arce¬ bispado e anexo, no Morro da Conceição. Mais importante, o texto registra que somente nesse ano foi possível receber “elementos essenciais de trabalho”, encomendados no exterior47. A ênfase, então, entre 1917 e 1921 foram as obras nas instalações e os traba¬ lhos de instrução das diversas equipes.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
O relato, relativamente extenso, além da ênfase em organização e treinamento, indica um planejamento a médio prazo, como faz crer o tópico Cartografia brasileria. Estudo do seu programa 48. Curto, contudo, o texto convive com digressões sobre o uso da fotogrametria, que a elegem como a modalidade técnica que deve predominar nos anos seguintes.
O tópico Métodos e processos de levantamento assim inicia: “A experiência tem consagrado sem restrição a fotogrametria (terrestre, marítima e aeronáutica) em todas as suas modalidades, como o principal recurso de execução e elemento primordial de organização do serviço geográfico militar.” Cauteloso, porém, o texto aponta que frente a uma eventual falta de recursos os métodos tradicionais, como a topografia militar, devem ser mantidos.
Existe, neste momento, um núcleo especializado em “serviços de aerotopografia”, tópico que revela um marco importante: o levan- tamenteo aéreo do Distrito Federal. A nota, quase indireta, surge ao informar que a instrução técnica está sendo ministrada em paralelo à execução desse trabalhos.
Esse levantamento foi feito com 22 voos realizados somente em 16 dias, nos quais o serviço de aviação militar pôde dispor de aviões eficientemente preparados.
Num percurso aéreo de 748 km, a uma altura de 2.500 metros, foram expostas 948 chapas fotográficas tiradas com eixo ótico vertical cobrindo uma área de terreno de 1.345 km2 aproximadamente4'* .
Quase certo, deste primeiro levantamento realizado no Brasil, aplicado a áreas urbanas em grande extensão, que deveria gerar uma cartografia em escala 1:50.000, pouco mais é revelado nos relatórios. Dados como equipamentos utilizados, produção de fotocartas controladas, procedimentos como retificação, são ignorados. Teriam as equipes condições de realizar
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
então a transposição para pranchas cartográficas ou seriam as fotocartas meras referências para os métodos cartográficos tradicionais?
O relatório, logo adiante, volta a a afirmar sua previsão, aqui de modo específico, que a estereofotogrametria aeronáutica será modalidade predominante. Menciona-se ainda a organização de estudos para produção de equipamentos nas oficinas do Serviço Geográfico Militar, sem indicar a natureza dos mesmos, como também registra-se o estudo sobre as caracterísitas a satisfazer para “um tipo de avião-anfíbio destinado a essas operações”50.
O ano de 1922 traz alguma novidade. Há menção direta às instalações transitórias destinadas à estereofotogrametria no Morro da Conceição, bem como o projeto para um serviço, também transitório, de impressão cartográfica51. Mais importante é a menção ao transporte de “estereo- autografo” para o Serviço Geográfico sediado no Morro da Conceição. Infelizmente, pela natureza irregular desses relatos, não existem referências concretas sobre o equipamento e seu uso efetivo, agora e nos próximos anos pesquisados.
Oportuna menção, ao relacionar os projetos em andamento, é confir¬ mar a organização efetiva do serviço geográfico militar em 1918. Entre os trabalhos, para 1922, constam o “Preparo dos elementos de trabalho (pessoal e material) para o levantamento do Distrito Federal na escala de 1:50.000 com 4 turmas de geodésia, 2 de estereo-fotogrametria, 1 de aerotopografia e 10 de topografia"52.
1923 e os anos seguintes trazem notícias preocupantes. O longo relato, de seis páginas, sobre a unidade revela a continuidade das tarefas e ênfase sobre treinamento das equipes53, mas há atraso nas obras das instalações, parcialmente ocupadas então. As aquisições de material técnico no exterior, que inclui “trens estereofotogramétricos”, aqui entendido na acepção genérica do tenno “'trem”, enfrentam os atuais preços exorbitantes54.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
O item Estereofotogrametria revela que o treinamento dos oficiais da seção está sendo feito por técnico especialmente contratado e prevê para setembro de 1924 o início de trabalhos de campo para levantamento estereofotogramétrico do município de Niterói. A seção dedicada à aerotopografia, provávelmente responsável pela fase dos voos, “realizou em janeiro alguns voos em aparelho Caudron, complementares ao levantamento do Distrito Federal, e organizou o anteprojeto do Estado do Rio”55. Mais adiante acres¬ centa: “Em março iniciou-se a confecção dos registros de negativos, de cópias e de fotocartas referentes aos voos no Distrito Federal, serviço já ultimado”.
Os anos de 1924 e 1925, como revelam os relatos específicos são desalentadores. Os eventos “subversivos” de julho - a Revolução de 1924 - geram interrupções graves dos serviços, embora o tom dos relatórios procure atenuar o fato evidente. Há perda de praças da unidade e decide-se por investir no treinamento dos oficiais. É o que ocorre em 1925 quando é realizado mn curso sobre estereofotogrametria. A seção de aerotopografia menciona voos de instrução para oficiais no Campo dos Afonsos e experiências com “aparelhos aerotopográficos”. O destaque é dado à produção de publicações, entre elas Apontamentos de estereophotogrammetria, quase certo uma das mais antigas do gênero no país.
A impossiblidade de acesso no momento a relatórios para o período de 1926 e 1933 permite especular sobre eventual recuperação. Sempre, é claro, a temer as consequências das revoluções de 1930 e 1932 sobre a unidade56. O relatório para o ano de 1934 é desalentador. Três parágrafos apenas são destinados ao, agora, Serviço Geográfico do Exército. Além da menção à reorganização geral do Ministério, sabe-se que a 2a Divisão de levantamento, sediada no Rio, ficou “sem efetivo”. Ainda assim, comemora-se a organização da Ia Divisão, sediada em Porto Alegre, região de fronteira, cuja demanda de serviços cartográficos é há muito uma prioridade militar.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
O pioneirismo do Serviço Geográfico na formação e treinamento de equipes estáveis para emprego da aerofotogrametria no quadro de suas atribuições é evidente nos breves relatos anuais do Ministério da Guerra. A correta extensão dos serviços e efetiva contribuição são aspectos que demandarão esforços para traçar um quadro mais preciso sobre o tema.
Anos 10: para o alto
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
Em 1928, quando Prefeito da cidade de São Paulo José Pires do Rio (18 8 0-1 95 0)57, é promulgada a lei n° 3.203, de 17 de julho, que o autoriza a contratar o “levantamento topográfico do município, pelo processo que julgar mais conveniente e mediante concorrência pública”, conforme ementa. O texto legal é lacônico. Seus quatro artigos pouco informam, além de autorizar a entrar em acordo com o governo estadual para eventual parceria no empreendimento. E, não houvesse registro alternativo, mascararia assim as discussões e proposições por trás dele. Voltemos um pouco mais no tempo, fazendo uso dos anais da Câmara Municipal, aos primeiros dias de março daquele ano.
A sessão da casa legislativa, em 3 de março, registra a entrada do ofício n° 265, do Senhor Prefeito, em que solicita autorização para contratar a empresa Junkers Flugzeugwerk A. G. para realizar o levantamento aerotopográfico do município. Segue em anexo ao ofício a carta pro¬ posta apresentada no dia primeiro58 pelos representantes da companhia sediada em Dessau na Alemanha59. O oficio é encaminhado pelos responsáveis pela sessão para apreciação das comissões de Justiça, Obras e Finanças.
O parecer das comissões, datado de 22 de março, é apresentado na sessão da Câmara de 14 de abril. Assinado por seis vereadores, entre eles Goffredo Teixeira da Silva Telles (1888-1980)60, o texto chama a atenção pelo debate dos aspectos técnicos da proposta, no qual a participação deste parlamentar parece ser fundamental61.
Um embate legislativo, tumultuado, ameaça de início tomar conta do debate, provocado pela forma improvisada do Executivo ao justificar a solicitação. Feita a ressalva pelos participantes das comissões, sur¬ presos com o fato, o debate toma outro rumo62.
41
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
O texto, em seu conjunto, surpreende por analisar os detalhes, contestar e propor novos produtos. E, antes de tudo, por justificar, ele mesmo, a necessidade do levantamento topográfico como instrumento de planejamento e controle fiscal, por exemplo, bem como a adoção do pro¬ cesso aerofotogramétrico, que se somam aos adotados nos trabalhos da municipalidade.
Não há negar o interesse de um rigoroso levantamento topográfico do município.
Bem o compreenderam sempre os poderes municipais. Para a consecução desse objetivo tendem, há longos anos, os esforços louváveis, mas forçosamente lentos, da Seção de Cadastro e Urbanismo. A planta oficial de São Paulo, fruto de um trabalho consciencioso, vai-se esboçando por partes, já se achando reunidos interessantes elementos de estudo para vários setores centrais da cidade.
Contudo, não será exagero afirmar que a tarefa... ainda está por principiar.
Ante o vulto do que resta por fazer, bem pequena, de fato, parece a obra executada. Por desvelados e altamente proficientes que se tenham revelado, em várias ocasiões, os engenheiros daquela repartição técnica, poucos como são eles, e sobrecarregados de um exaustivo expediente burocrático, não lograram até hoje, obstar a que a morosidade seja a principal característica de seus trabalhos topográficos. Morosidade, sobretudo, flagrante, em confronto com os processos de vertiginosa metamorfose por que vai passando a paisagem urbana da capital. Como efeito natural dessa lentidão, o cadastro da Prefeitura tem o vício inicial de nascer velho. Rigoroso, embora, geometricamente exato, mas velho. Enquanto se organizam as plantas trecho por trecho, nos escritórios oficiais, as vias públicas e as construções das áreas levantadas saem de seus alinhamentos primitivos. Quando o trabalho concluído aparece, é tarde. As poucas folhas cadastrais
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
que se acham estampadas já valem como recordação do passado, não registrando mais os aspectos atuais de S. Paulo. E, já hoje, portanto, quando se quisesse cuidar das folhas ainda inéditas, cumpriria também, como trabalho de igual urgência, proceder à revisão das que se davam por feitas.
Não só a escassez dos nossos quadros técnicos concorre para a lentidão dos serviços cadastrais.
E inegável que os processos correntes de levantamento topográfico, usados ainda em São Paulo, como o foram, até ontem, em todos os países, não autorizam, pelas dificuldades naturais em que esbarram, a esperança de resultados prontos e, sobretudo, econômicos.
Comprovam essa asserção as longas testativas (sic) levadas a efeito no Rio de Janeiro, desde quase os primeiros tempos da República, para o levantamento do Distrito Federal, empresa em que se consumiram, sem resultado compensador, quase duas dezenas de milheiros de contos.
Cingir-se, pois, a administração paulista ao emprego único do teodolito e do taqueômetro, quando já hoje o sistema dos levantamentos aéreos permite decuplicar, com muito menor dispêndio, a rapidez e a eficiência dos processos geodésicos, é protelar sem motivo um serviço de primordial importância que o progresso da capital torna cada vez mais necessário.
E, de fato, na aerofototopografia que se encontra a solução prática do problema.
Compreendeu-o, em bora hora o ilustre sr Prefeito.
As comissões regimentais da Camara, sem embargo das objeções que vão opor à proposta do eminente chefe do executivo municipal, dirigem-lhe seus aplausos pela iniciativa com que tão oportunamente suscitou a discussão do assunto.
(CMSP, Anais 1928, p.215-216)
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Surpreendente acordo e comunhão de interesses mereceriam discussão prolongada. Dois argumentos podem ser utilizados, por ora, para compreender o ocorrido de forma breve. O primeiro, motivo da parte inicial deste ensaio, é o impacto em si da aviação na sociedade contemporânea, seja pelos avanços técnicos, seja pela função simbólica dentro da experiência urbana moderna. O segundo diz respeito ao campo particular dos estudos de planejamento urbano. Nos anos 10, as estruturas oficiais em seus diversos níveis começam a dar espaço a uma geração de especialistas, que irão pensar serviços e políticas para as próximas décadas. Para ficar num exemplo de fácil compreensão, basta lembrar a figura do engenheiro Francisco Prestes Maia (1896-1965). Atuando de início em setores dedicados à viação e obras públicas nos governos estadual e depois municipal, responde por plano de reestruturação da capital em larga escala, uma das tantas iniciativas que desde meados da década de 1910 ocorrem em diferentes configurações nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
Se há acordo no parecer sobre a necessidade do levantamento e sobre o método adotado, há por outro lado uma longa série de contestações. A primeira dela diz respeito ao controle de qualidade que o projeto deve respeitar: “Um cadastro faz fé ou não existe”63. Prossegue o texto apontando pontos críticos, que esclarecem também aspectos sobre as diferentes etapas do processo, que encontrarão, na fonna final da lei ali proposta, detalhamento técnico pertinente64.
Entre os riscos de ordem técnica, para essa classe de levantamentos, existem, por exemplo, o das derivações que falseiam os planos, motivadas pela falta de perpendicularidade dos aparelhos; o das inobservâncias da altitude prefixada, que determinam erros de escala só aparentemente corrigíveis com ampliações ou reduções dos positivos fotográficos, o da inexatidão das cotas de nível ocasionada pela insuficiência dos trabalhos de ateliê em que se procede à 'restituição' das chapas, ao preparo das provas e à composição das plantas.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Sabem quantos se ocupam do assunto que as fotografias do operador devem ser obtidas verticalmente, frente ao solo, afim de registrar a imagem deste na mesma posição e forma em que ele deve ser posteriormente representado na planta. Sabem, além disso, que os negativos fotográficos não devem apenas seguir-se uns aos outros, mas sobrepôr-se, recortando-se uns nos outros de modo a que a área abrangida por cada um seja parcial e paralelamente recoberta pela area fixada nos negativos vizinhos.
Qualquer inobservância desses preceitos elementares, preceitos que não só retardam como encarecem notavelmente as operações, conferiria eiva de suspeição aos resultados obtidos.
(CMSP, Anais 1928, p.216-217)
Resta assim à municipalidade garantir a “indiscutível idoneidade técnica” do proponente - a Junkers Flugzeugwerk pois não figura no processo qualquer documentação técnica comprobatória. Exigem ainda os avalistas mudanças em vários tópicos.
Sobre as coordenadas de referência de nível e altitude, por exemplo, necessárias para a etapa de triangulação, que a proponente requer, o parecer recomenda que os dados sejam fornecidos “sem responsa¬ bilidade” da municipalidade, frente à “insuficiência dos trabalhos topográficos executados até hoje” (CMSP, Anais 192 8, p.2 1 8). A preocupação sobre controle de qualidade nas diferentes fases avança em diversos momentos do parecer.
Parece depreender-se da proposta em apreço que os trabalhos de ateliê (restituição das chapas, retificações de escala, operações com o cartógrafo, acerto ageral, acerto de detalhes, passagem à tinta, redação das plantas, etc.) serão executados em São Paulo sob as vistas dos engenheiros municipais. E, porém, indispensável que figure, no contrato, cláusula mais precisa sobre o assunto. Além do interesse de um controle direto e fácil desses trabalhos, por parte da
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Prefeitura, é óbvia a conveniência de serem, desde o princípio, zelosamente guardados e mantidos em São Paulo os documentos originais (chapas, folhas de campo, etc) com que se vão organizar as plantas oficiais do município.
Já é muito que se permita, e isso por falta de oficinas adequadas entre nós, a gravação da planta e a tiragem da edição em país estrangeiro.
(CMSP, Anais 1928, p.218-219)
Por fim, exige-se que o levantamento adote os métodos da “fotografia aérea (fotorestituição e estereofotogrametria), combinados com os sistemas da geodésia e topografia comum”65.
O foco passa agora para a discussão dos produtos finais a serem entregues. Contesta-se da proposta original feita pela Junkers a execução de duas plantas: a primeira na escala de 1:5.000, cobrindo área de cerca de 12.000 hectares (120 km2), relativa à parte central, urbana e suburbana de São Paulo; a segunda, na escala de 1:20.000 abrangendo todo o município. Como alternativa propõe-se, como de maior urgência, a produção de uma “planta de urbanismo em escala grande, compreendendo a cidade e o subúrbio próximo” (CMSP, Anais 1928, p.219).
A primeira versão da lei para o edital, apresentada no parecer, prevê apenas a produção de um levantamento na escala 1:2.000, cobrindo área aproximada de 12 a 15 mil hectares (120 a 150 km2). Assumiria a contratada o compro¬ misso da realização de outros levantamentos em escalas a definir, nas mesmas condições de técnica e preço66.
Prevê-se ainda que as pranchas do levantamento seriam entregues na forma de fotocartas, com 10 exemplares cada, além do mapa- índice67. A tiragem impressa da transcrição cartográfica corresponderia a 150 exemplares por prancha, além de um versão para “decalque” permitindo assim a obtenção de cópias de trabalho por transparência.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Toda a memória de trabalho seria entregue à municipalidade, como estabelece o artigo 18 da proposta de lei. Incluem-se aí negativos, provas, fotocartas, folhas e cadernetas de campo, “devidamente numerados, catalogados e acondicionados”, passando a “ser exclusiva propriedade municipal, não sendo permitido à contratante fornecer a terceiro qualquer original ou cópia” (CMSP, Anais 1928, p.222).
Aspecto chave, o custo da proposta ganha relevância, sem porém ser analisado de forma explícita. Revela, porém, na perspectiva deste ensaio, aspecto surpreendente. A comissão exige que a proponente respeite os preços por hectare - “sensivelmente mais módicos” - apresentados por ela na concorrência pública para o levantamento do Distrito Federal. Ainda assim orienta que o edital não retire a qualquer outra entidade, nacional ou estrangeira a possibilidade de concorrer com melhor oferta mantidas as garantias de idoneidade técnica e financeira.
Ao final da sessão, o vereador Goffredo Telles pede adiamento da discussão por oito dias. Aproveitaremos aqui essa pausa para recuperar as ações desenvolvidas pelo governo do Distrito Federal para realizar o levantamento cartográfico do seu território com o emprego da aero- fotogrametria. É nesse contexto, novo na historiografia sobre o Mapa Topográfico do Município de São Paulo, que será possível conhecer o horizonte da produção cartográfica naquele momento histórico no quadro de usos e fins propostos.
O Rio de Janeiro: a gestão Antonio da Silva Prado Junior
Prefeito nomeado, Antonio da Silva Prado Junior (1880-1955) assume a administração do Distrito Federal em novembro de 1926, com o início do mandato presidencial de Washington Luís (1869-1957).
Engenheiro, de tradicional família paulista ligada à agricultura cafeeira, com grande presença na política, filho do conselheiro Antonio Prado
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
(1840-1929), que fora o primeiro prefeito da capital paulista, Antonio Prado Junior exerce seu mandato na administração do Distrito Federal até outubro de 1930, quando irrompe a Revolução de 1930.
Reveste-se, com grande expectativa, sua primeira mensagem ao Conselho Municipal em primeiro de junho de 192768. O quadro apresen¬ tado nesse discurso é ao mesmo tempo um balanço da situação encontrada e um conjunto de ações para sua gestão. Destas ações, o primeiro segmento traz um extensa relação de obras viárias na cidade, mas são dois itens finais do bloco II - Obras e Viação, que têm relevância aqui.
O primeiro - Urbanismo - diz respeito ao convite feito ao urbanista francês Alfred Agache (1875-1959) para realizar algumas conferências afim “de desenvolver o interesse público pelos problemas de urbanismo, criando assim, uma atmosfera favorável à execução de melhoramentos na cidade. (...)”. Entre as conferências programadas, embora não men¬ cionada na transcrição nos jornais, incluía-se aquela intitulada A fotografia aérea e as plantas da cidade (PAMPLONA, 2014, p.30).
O Sr. Alfred Agache, arquiteto laureado, secretário geral da Sociedade Francesa dos Urbanistas, e autor consagrado de várias obras sobre a construção e reconstrução de cidades, aldeias e cidades-jardins, possui, pelos seus trabalhos executados com êxito, a autoridade científica para nos explicar, não só como o problema de urbanismo se apresenta aos técnicos, mas, também, para indicar o modo mais prático de atacar esse problema, passando depois ao estudo do plano regulador e, enfim, como deverá funcionar, no futuro, a direção desse mesmo plano.
As conferências do Sr Agache serão feitas: - umas para o público; outras para os técnicos, arquitetos, engenheiros, etc.; e mais outras para as autoridades municipais e funcionários da diretoria de obras e viação. (O Paiz, RJ, 3 de junho de 1927, p.l)
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
O último item do bloco introduz por fim a proposta daquela que será a primeira cobertura topográfica de grandes centros urbanos brasi¬ leiros por meio da aerofotogrametria. Ainda em sua fase inicial, a transcrição integral do tópico permite identificar os produtos programados e agentes envolvidos. A sua gênese, em ação paralela ao convite a Agache, e o contexto do discurso do Prefeito indicam minimamente a ambição das obras propostas e o investimento em instrumentos de apoio.
Carta Cadastral69 - Levantamento estereofotogramétrico -
No sentido de organizar, de modo rápido e exato, a planta topográfica do Distrito Federal com os precisos detalhes, compreendendo o assinalamento e a localização dos próprios municipais, entrei em conversação preliminar com o Sr. capitão Ronald Mac Nell (sic) a respeito do respectivo levantamento pelo método estereofotogramétrico com o auxílio de aviões.
O capitão Mac Nell propõe-se a fornecer, dentro de menos de um ano, seis grupos de plantas fotográficas da área urbana e suburbana do Distrito Federal, de mais ou menos 300 quilômetros quadrados nas escalas de 1:2.000 e de 1:5.000, bem como uma planta fotográfica de toda a área do Distrito Federal na escala de 1:50.000.
Excusado me parece encarecer a necessidade e importância desse serviço e, em tempo oportuno, uma vez examinada a proposta do Sr Mac. Nell tratarei do assunto em mensagem especial.
Sobre o capitão Mac Nell - Ronald Frank Rous McNeill70 -, nova referências surgem mais a frente. A presença britânica na aviação é, coincidentemente, foco de artigo na imprensa local. O periódico carioca Wileman's Brazilian Review, em sua edição de 9 de junho, comenta o progresso britânico no setor71. Entre as áreas do setor com crescente interesse comercial destacaram-se em 1926 as voltadas para levantamentos aéreos (“air survey”).
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
O articulista cita expressamente o envio previsto para dezembro de 1927 de equipe da Aircraft Operating Company (AOC) ao norte da Rodésia, ex-colônia britânica hoje dividida entre Zimbawe e Zâmbia, para registrar 20.000 milhas quadradas - quase 52 mil km2, o equivalente à área do estado do Rio Grande do Norte - para a Minerais Separation Company, bem como preparar mapas de áreas selecionadas na região de ocorrência de jazidas de cobre, em suas 52 mil milhas quadradas. O artigo menciona ainda as atividades da Aerofilms Company, subsidiária da AOC, com trabalhos de cobertura fotógrafica finalizados em 1927 na Inglaterra e futuros contratos na Malásia.
Com alguma presteza o Prefeito Antonio Prado Junior envia a mensagem n° 618 ao Conselho Municipal em 31 de agosto de 1927. O texto é breve: solicita crédito especial até o valor de dois mil contos (2.000:000$000). Como justificativa sumária consta a menção à comissão organizada em 1893 pelo Prefeito Cândido Barato Ribeiro (1843-1910), primeiro a ocupar o cargo no Distrito Federal, entre 1892 e 1893. Por sete anos, até sua extinção, a comissão designada organizou “as plantas oras existentes”72. Fica expressa na mensagem a adoção na presente proposta dos métodos “fototopográficos” pela agilidade e custos reduzidos frente aos tradicionais, argumentos que veremos adiante.
O debate parlamentar foi severo como indicam as notas esparsas na imprensa carioca até janeiro do ano seguinte. Não só pelos gastos no levantamento ou na contratação de Alfred Agache, mas certamente pelo conjunto de obras urbanas propostas. O contexto político imediato, num primeiro ano de mandato, indica problemas a curto prazo.
Apenas nos primeiros dias de 1928, o orçamento municipal é aprovado. No dia 5 de janeiro, o decreto legislativo n" 3.268 autoriza o crédito solicitado pelo Prefeito73. Com agilidade, o edital é assinado no dia 9, sendo publicado em seguida74.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Com data-limite para apresentação das propostas até 15 de fevereiro, o edital estabelece os termos para produção do levantamento topo¬ gráfico da cidade pela “combinação dos métodos foto-aéreo e terrestre, bem como a revisão da rede de nivelamento”. Nota na imprensa descreve os principais objetos do edital: “Dentre outros serviços contam-se: a planta topográfica da cidade, na escala de 1:1.000, em folhas uniformes da parte central da cidade, e outra de 1:2.000 para a zona suburbana e rural; planta geral e completa na escala de 1 por 20.000 e, finalmente, a revisão da rede de nivelamento com referências de nivel e demais detalhes" 75.
Cinco propostas são apresentadas76, sendo outras duas recusadas, no caso a da Compagnie Aérienne Française, em desacordo com edital, e da Companhia Aeronáutica Brasileira, que exibiu comprovante de depósito de caução, mas não conseguiu elaborar a tempo sua proposta77.
Surpreende o número de empresas considerando a brevidade do prazo. Estavam aptas duas empresas alemãs: Photogrametric Geselschaft M.H.R, de Munique, representada pela Companhia Constructora Nacional, e a Junkers Flugzeugwerk A. G, de Dessau, mediada por Othmar Gamilischeg (sic). E, por fim, a empresa britânica The Aircraft Operating Co. Ltda, de Londres, por Ronald Frank Rous Mac-Neill, representante mencionado no ano anterior na mensagem do Prefeito como seu contato inicial sobre o serviço.
A notícia chega a São Paulo, sem muito alarde aparente, em registro na imprensa do dia 17 de março, que transcreve telegrama recebido de Londres: “Anuncia-se que uma firma de aviões de Londres, conseguiu o contrato para o levantamento de um plano aéreo, bem minucioso, da cidade do Rio de Janeiro e arredores”78. Dias depois, em 28 de março de 1928, ambas as partes - The Aircraft Operating Co. e o governo do Distrito Federal - assinavam contrato79.
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Oportuno lembrar que a Junkers Flugzeugwerk apresentara à Prefeitura de São Paulo em 1 de março de 1928, proposta de serviço assemelhado. Seria certamente oportuno à empresa a realização concomitante dos serviços, considerando a presença de equipe técnica estrangeira, economia de escala etc.
É novamente a mensagem anual do Prefeito na instalação do Conselho Municipal, em 1 de junho de 1928, que permitirá conhecer um pouco mais sobre a decisão final. Atendendo à lei orgânica do Distrito Federal, Antonio Prado Junior faz o balanço da administração no ano anterior; comenta as obras de melhoramentos nas áreas do Castelo e no Calabouço, região de expansão do centro urbano, e avança:
A concorrência pública para o levantamento aereofototopográfico da cidade provocou, também, severas apreciações.
Das cinco propostas apresentadas, a da The Aircraft Operating Company Lim ited, de Londres, foi a única que pediu preços unitários, em obediência às disposições do edital de concorrência e que melhor garantia ofereceu para a execução do serviço.
Acresce que essa empresa foi, também, a única que enviou um representante, técnico idôneo, para examinar e estudar ’in loco' as condições topográficas das superfícies a levantar.
Partidário das concorrências públicas, levo, entretanto, muito em linha de conta a idoneidade do concorrente. Não poucas vezes deixo mais me influenciar por ela do que propriamente pelas diferenças de preços. Assim ê que não vacilei em contratar serviço de tamanha importância com a empresa que mais sólidas garantias morais ofereci a80.
A mensagem, transcrita pela imprensa local81, avança detalhando não apenas a concorrência em questão, polêmica desde sua apresentação no ano anterior, como relaciona os trabalhos encomendados a Alfred Agache.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Esse trecho permite compreender a oportuna ação sincronizada das duas propostas, embora não necessariamente interligadas82. É, porém, o trecho que relata as contestações ao levantamento topográfico o mais relevante83.
Primeiro aspecto significativo da mensagem é reafirmar o uso corrente até então dos levantamentos cadastrais que datavam da gestão municipal de Cândido Barata Ribeiro (1892-1893).
Segundo dado, de maior interesse, é permitir identificar o emprego da cartografia resultante dos esforços do Serviço Geográfico em 1921. E, a partir disso, a ocorrência da crítica comum aos editais realizados pelas governos das cidades do Rio e São Paulo em 1928: a eventual contratação do Serviço Geográfico Militar para execução dos levantamentos a custos menores.
(...) a acusação principal consistiu em afirmar a existência de uma excelente carta cadastral do Distrito, carta utilizada até pela própria Prefeitura por ocasião do último recenseamento escolar Trata-se, evidentemente, do mapa do Distrito Federal, organizado pelo Serviço Geográfico Militar, em escala de 1:10.000, ampliação do original na escala de 1:40.000, no qual figuram arruamentos incompletos e sem denominação, com largura exagerada, em relação à escala. Esse mapa, a que se chamou pomposamente de CARTA CADASTRAL, organizado por diversos processos, inclusive o estereofotogramétrico, é baseado, justamente, na carta cadastral da Prefeitura. Não se podia, outrossim, aproveitar o trabalho na escala de 1:40.000, reduzido para a de 1:50.000, e ampliado para 1:20.000 e 1: 10.000, com a representação dos arruamentos.
(...)
Insinou-se, também, que se poderia ser contratado o trabalho em questão com o Serviço Geográfico Militar, ignorando-se que, além de outras razões, as funções desse instituto dificilmente
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
permitiriam o arranjo de uma fórmula para tal contrato, sem falar na posição em que ele ficaria, sujeitando-se a uma fiscalização técnica por parte da Prefeitura.
A mensagem do Prefeito, em contraste com as notas da Prefeitura mencionadas anteriormente, permite obter um quadro mais completo sobre as propostas. Aspecto relevante, não mencionado no momento, diz respeito à autorização dada ao Prefeito para a realização do edital, conforme sua mensagem apresentada em 31 de agosto de 1927, que estabece um limite de despesas de 2 mil contos. Assim ao comparar os valores, fica evidente que todas as propostas parecem extrapolar esse patamar, além de não obede¬ cerem aos parâmetros que exigem preços unitários. Na sua lacônica resposta à eventual manipulação da concorrência o Prefeito acaba deixando em aberto espaço para futuros embates84.
Em resumo, os valores dos orçamentos apresentados chegam a superar 2.900:000$000. É o caso da proposta da francesa Compagnie Aérienne Française, que foi desconsiderada por não obedecer aos parâmetros do edital. Um pouco menos - 2.800:000$000 foi o valor solicitado pela Enterprises Photo-Aériennes, também desconsiderada por ter sido a proposta apresentada fora do prazo. Apenas a Junkers teria oferecido proposta na faixa de 1.900:000$000, mas a empresa desistiria do projeto durante a fase de análise das propostas.
Antonio Prado, infelizmente, esquece em sua mensagem, momento tão importante para avaliação de sua gestão perante o conselho municipal, de apresentar dados sobre os demais concorrentes: Photogrammétrie G. M. B. H. e The Aircraft Operating Company Limited. Surge a AOC como única candidata a respeitar a exigência de preços unitários e com salvaguardas “técnicas e morais”. Esse fato cobrará seu preço mais adiante.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Mãos à obra: no ar e nos jornais
A empresa vencedora demonstrará agilidade, seguindo os passos legais e técnicos. O contexto político imediato, com contestações aos projetos e à concorrência em questão, e por fim a Revolução de 1930 criarão a seu modo um surpreendente emaranhado de registros na imprensa, permitindo hoje um acompanhamento dos serviços.
Em contraste com o levantamento realizado em São Paulo pela empresa S.A.R.A. Brasil, é possível recuperar no caso do Distrito Federal relatos extensos que indicam a magnitude de recursos técnicos e humanos envolvidos bem como as etapas usuais de desenvolvimento do levantamento desde a preparação da rede de nivelamento e tomadas de imagem à impressão das cartas.
Em 13 de março de 1928, a empresa The Aircraft Operating Company, Limited é autorizada a operar no Brasil pelo decreto federal 18.156, assinado pelo Presidente Washington Luís85. Três meses depois, em junho, começam a chegar ao Rio os primeiros membros da equipe e equipamentos.
No dia 21 de junho desembarca o capitão do corpo de aviação do exército inglês - Sidney Henry Holland86. Acompanha sua chegada o transporte pelo mesmo navio Arandora de duas aeronaves Vendace (Vickers), equipadas com motores de 350 HP construídos especialmente para a missão. Ambos os aviões pennitem pouso em terra ou mar, sendo um deles utilizado como avião reserva. Holland chefiaria a seção de aviação.
Com cronograma de 3 anos de trabalho, a missão seria coordenada pelo o coronel T. T. Behrens, “chefe da empreitada”, membro do corpo de engenharia do exército inglês, tendo como subchefe o tenente da armada britânica Emest J. Mc. Atthy. Ambos tinham desembarque previsto para o dia 7 de julho. Junto viria o aviador, C. A. Elliot, tenente “perito em aerofotogrametria”, que morara por alguns anos no Rio de Janeiro. Completavam a missão mais 12 membros, basicamente agrimensores87-
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
0 levantamento eereo, ptioto-topograptiico da cidade
A “ Aireraft Qperaling ” fez uma demonstração desse serviço d imprensa
A imprensa carioca reproduz imagens distribuídas no evento para seus profissionais em novembro de 1928.
A fotografia aérea vertical da região do Morro do Castelo, parcialmente removido, exibe ao alto, subindo em diagonal, a Avenida Rio Branco, que se prolonga da direita a partir do Palacete Monroe. A esquerda, destacam-se os pavilhões do mercado.
Gazeta de Notícias, 11 de novembro de 1928, p.3.
Acervo Biblioteca Nacional
56
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Com o escritório instalado à Rua Silveira Martins, no Catete, a empresa abre as instalações para a imprensa em 10 de novembro, com a presença do embaixador da Inglaterra Sir Belby Alston e membros do corpo consular. Mac Neill recebe a todos como representante da empresa no Brasil, acompanhado do diretor, major Harold Hemming, e o gerente, Coronel Behrens. Aos presentes são apresentados exemplos de trabalhos em realização, de caráter didático, numa ação para imprensa que parece indicar uma noção precisa de marketing88.
Essa noção parece clara se atentarmos a participações em eventos. Dois dias depois, na solenidade comemorativa do décimo aniversário do Armistício, realizada no campo do Botafogo Football Club, um dos aviões da empresa joga ramalhetes de flores naturais sobre a multidão. O vento, infelizmente, levou as flores para fora do campo, sendo apanhadas pela meninada89.
É na imprensa paulistana que surge de forma mais detalhada o “levan¬ tamento aero-photo-topographico” em curso. Longa série de artigos publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, entre novembro e dezembro de 1928, faz um balanço da administração Antonio Prado Junior. Um deles, no dia 16 de novembro, cobre especificamente o tema. Ilustrado com imagem aérea da Cinelândia, comenta o processo aerofotogramético e as etapas: cobertura de voos, operações de triangulação, montagem dos mosaicos... - “um verdadeiro jogo de paciência chinês”. Segundo o engenheiro-chefe é “a primeira vez que no mundo se realiza um levantamento (...) desta magnitude”90.
A boa relação com a imprensa é certamente conveniente à empresa como também às autoridades do Distrito Federal. Um ano depois, em 18 de maio de 1929, a visita do próprio Presidente da República Washington Luís e do Prefeito Antonio Prado Junior tem por função verificar o andamento dos trabalhos. Acompanham a comitiva, que chega às 9 horas, Alfredo Duarte Ribeiro, diretor de obras e viação, e Álvaro Seixas, fiscal do Serviço Topográfico. As 11 horas, o escritório é aberto à imprensa91.
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
A fase de levantamento aéreo já está terminada, com voos realizados em 3 altitudes - 1.500, 2.100 e 4.000 metros. A equipe envolvida, noticia a imprensa, inclui 20 engenheiros (“empenhados no levantamento terrestre e triangulação”), num total de pouco mais de 100 membros, sendo 65 deles brasileiros. Foram empregados dois aviões, sendo um deles um hidroavião, e obtidas mais de 8 mil imagens: “É de notar que não houve um só acidente em todo o trabalho”92.
Os diretores mostram ao Presidente os “mapas da zona central, na escala de 1:1.000, que estão quase concluídos para serem entregues ao impressor”. Estão previstos mapas em 4 escalas: 1:1.000 - zona central, 1:2.000 - zona urbana, 1:5.000 - zona suburbana e 1:20.0000 - zona rural.
Com aparente orgulho, a impressão dos mapas será feita no Rio pela Pimenta de Mello & C, que já importou máquinas especiais. Diretores da empresa expressam “satisfação” em realizar assim todo o trabalho no Brasil. O término programado do projeto é então outubro de 193093.
A visibilidade dada pelo evento parece estar associada ao interesse em conquistar novos serviços no país. Pouco depois, em julho, o jornal Diário Carioca indica, “por informações colhidas nas melhores fontes”, que o Presidente do Estado de São Paulo resolvera dar à Aircraft (grafada “Air Craft & C.”) a concessão para execução do levantamento topográfico de todo o Estado94.
A edição de 19 de maio de 1929 do Jornal do Brasil registra a chegada do Presidente Washington Luís ao escritório da Aircraft Operating Company, ao lado do Palácio do Catete, sendo recebido pelo diretor Mac Nell.
Acervo Biblioteca Nacional
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
0 Sr. Presidente di Republica, ao chegar. á séde da Aircraít, recebendo oomprimen tos do Capitão Kac Nccil
59
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Foto aérea vertical do levantamento carioca, com marcações de pontos de referência de terra para uso na retificação na imagem.
A direita, marcadores trazem informações como número da imagem, derivações de voo, serviço e hora da tomada. A imagem consta do importante relato sobre a empreitada feito por Cari Oeslner (1934).
Acervo BMA
60
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
A mensagem anual ao Conselho Municipal em primeiro de junho de 1929 faz um balanço geral das atividades. De relevante, destaca-se a fiscalização do contrato, em toda a sua extensão, pela Diretoria de obras, com apoio da 5a Subdiretoria, encarregada da Carta Cadastral da Prefeitura.
Os serviços de voos, já encerrados em maio, como informado durante a visita do Presidente da República ao escritório da The Aircraft Operating, haviam cobertos até começo de fevereiro de 1929 cerca de 25.750 hectares da área do Distrito Federal (257 km2). Ao final do primeiro semestre, a Diretoria de Obras já recebera: “31 mosaicos, ou fotocartas, relativos à área territorial a ser representada na escala de 1:1.000; 262 fotografias (prova direta), relativas à área territorial a ser representada na escala acima citada; 6[54] fotografias (prova direta) da área territorial a ser representada na escala de 1:2.000” 95.
A mensagem é peculiarmente informativa sobre os serviços de terra: a triangulação. Fundamental é a descrição das funções atribuídas à 5a Subdiretoria de Obras, que dizem respeito centralmente ao serviço de manutenção das plantas do Distrito Federal, “levantadas e desenhadas no período de 1892 a 1900 e aos trabalhos com elas relacionados e executados desde 1902”. Terminado o contrato em andamento, esta unidade passará a constituir repartição especializada na gestão do levantamento, sua manutenção e atualização, e seu emprego como base dos registros cadastrais da municipalidade96.
Quanto ao serviço terrestre, já foi completada a rede de triangulação com 148 estações complementares , tendo-se colocado, em diversos morros e vários pontos, e até em ilhas da Baía de Guanabara, cerca de duzentas pirâmides correspondentes a outros tantos pontos geodésicos. O levantamento dos polígonos, destinados à ligação dos trabalhos de triangulação ao dos elementos fornecidos pelo levantamento fotográfico, já se estende por cerca de cem (100) quilômetros.
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Iniciaram-se os trabalhos de nivelamento para o estabelecimento da grande rede de referências de nível, estando prontos, desse serviço, cerca de sessenta (60) quilômetros”91 .
Os escritórios da empresa continuam a ser nos próximos meses pontos de interesse social. No dia 19 de setembro de 1929, representantes da missão econômica oficial do governo britânico para a América do Sul, coordenada pelo Lord D'Abernon, faz às 10 horas a visita programada, sinal claro da importância do empreendimento nas relações comerciais entre os dois países98.
No ano seguinte, em 29 de abril, chegam ao Rio, vindo da cidade do Cabo, o casal Alan S. Buttler". Ele, presidente da The Aircraft Operating, chega ao Brasil para inspecionar os trabalhos. O casal realizara a travessia aérea Londres a Cidade do Cabo, na África do Sul. Ambos aviadores reconhecidos, Alan, no entanto, atuou no percurso como segundo piloto, sendo detentor do recorde em altitude utilizando “aviões ligeiros”.
Durante o “raid” foi testado novo modelo de avião, da The Haviland Aircraft, conhecida pelos modelos Moth, destinado “à aerofototopografia”. Equipado com dois motores, a aeronave pode voar a 6.200 metros. Com um único motor, atinge o patamar de 3 mil metros. Após inspecionar os serviços da The Aircraft Operating, na Rodésia, já mencionados, Butler, que é presidente de ambas as empresas, realiza no Brasil sua visita oficial. No dia 13 de maio, é fotografado na saída do Palácio do Catete, com o major Hemming, diretor-geral no Brasil, e Victor Nothmann, que veremos mais uma vez, após visita a Washington Luís100.
A intenção das partes é terminar o levantamento carioca até o final da gestão Prado Junior. Menciona-se ainda a ideia de criação de uma empresa anglo-brasileira para levantamentos aerofotogramétricos. Butler segue em um avião da Condor para Porto Alegre, rumo a Buenos Aires.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Duas semanas depois, está de volta ao Rio de onde parte para a Inglaterra a bordo do navio Avelona Star101.
A Revolução de 30
Os trabalhos continuam em andamento. Em maio de 1930, o Ministro da Fazenda comunica ao Prefeito do Rio haver providenciado o desembaraço ágil do novo avião que se encontra na alfândega destinado ao “levantamento da carta aerofototopográfica da cidade”102. O que restaria fazer, que exigisse outra aeronave, já que essa etapa estava encerrada há tempo, como vimos?
Em 22 de outubro, dois dias antes da deposição de Washington Luís nesse longo processo revolucionário deflagrado no dia 3, a sede na Rua Silveira Martins recebe uma comissão do Clube de Engenharia para apresentação do relato dos trabalhos desenvolvidos em dois anos. A comitiva inclui Paulo de Frontin, presidente do Clube e os membros do Conselho Diretor: Gastão Bahiana, Valentim Durham, Mario Valladares, Chavantes Junior, Carvalho Araújo e Duarte Ribeiro. São recebidos pelo gerente e técnico Cari Oelsner. Outros convidados como os representantes da Light & Power estão presentes103.
O que já está feito
A Aircraft Operating' já tem feitas as plantas definitivas de toda a zona comercial da cidade e mais os subúrbios da cidade e mais os subúrbios da Central do Brasil, inclusive Campo Grande, Bangu, Santa Cruz; ainda Jacarepaguá, Penha, Cordovil, Pavuna, Vigário Geral, Villa Nova, toda a ilha de Paquetá, Freguezia e [Zumby], na ilha do Governador, e as zonas das praias.
A zona comercial compreende 31 plantas na escala de 1 por 1.000, numa extensão de 900 hectares: a zonas das praias e subúrbios mais próximos, 148 plantas, escala 1 por 2.000, compreendendo 7[4] mil hectares 104; e a zona rural, em [60] plantas, escala 1 por 5. 000, numa extensão de cerca de 180 km2.
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
De todas essas plantas vão ser fornecidas 150 cópias à Prefeitura.
Os trabalhos para o levantamento do pouco que ainda falta, demorará (sic) ainda cerca de três meses, quando, então, a empresa dará por concluídos seus trabalhos105 .
Com o novo governo as acusações que acompanharam toda a fase inicial retomam com força, envolvidas no clima tenso geral. Isso dificultará a entrega do serviço, mas acaba por revelar dados sobre os participantes.
Em novembro, após 26 anos de serviço, é exonerado por Adolpho Bergamini, interventor no governo do Distrito Federal desde 24 de outubro, o engenheiro Álvaro Baptista Seixas, lotado na Diretoria de Obras e Viação como engenheiro-chefe de divisão. Admitido em 1904, já como engenheiro da Repartição de Carta Cadastral, foi o responsável por elaborar em outubro de 1927 o edital da concorrência para o levantamento topográfico em questão. Em abril de 1928, seria designado para fiscalizar a execução do serviço - “primeiro a ser levado a efeito na América do Sul”106.
Dias depois, em 10 de dezembro, o interventor nomeia comissão para análise do contrato feito com a Aircraft Operating, “estendendo seu estudo aos serviços porventura feitos, estimando-lhes o valor, opinando sobre as medidas a serem tomadas e sugerindo tudo quanto for conveniente”107.
A imprensa acompanha o caso. Comenta-se que antes de viajar para a Europa, como exilado, Antonio Prado Junior nomeara advogado para defesa frente a várias acusações, como o favorecimento em obras na Escola Normal, a empresário teatral etc, entre elas:
7o -Não ter permitido que o Exército fizesse, com o dispêndio de quinhentos contos, o levantamento da carta aérea da capital da República, para dar, por esse serviço, à firma Aircraft Operating, quatro mil contos, quando a verba votada para custear era de dois mil contosm.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
O jornal O Globo, em 27 de fevereiro de 1931, transcreve, ao longo de quatro páginas, o relatório completo entregue ao interventor Adolpho Bergamini. Não é necessário ler propriamente o texto para compreender o seu desenvolvimento. O subtítulo é preciso: “O contrato da The Aircraft Operating Company Ltd. resultou de uma concorrência fraudulenta, exorbitou da autorização legislativa, infringiu o próprio despacho de aceitação da proposta e, por isso, é nulo!”109 Em alguns dias o interventor enviaria o relatório ao Tribunal Especial, confonne nota na imprensa no dia seguinte110.
Os príncipes britânicos no Rio
Alguma normalidade parece rondar o escritório da Aircraft Operating, embora não se saiba o que faltava por fazer111.
No dia 7 de abril, porém, chega ao Rio o Príncipe de Gales - o futuro rei Eduardo Vm (1894-1972), que abdicaria do trono para casar com Wallis Simpson. Se há sincronia planejada, não se sabe, mas a oportunidade não foi desperdiçada.
No mesmo dia, sua comitiva visita a sede da empresa, na Rua Silveira Martins acompanhado por Lord Edwam e por Mister Irving, adido comercial britânico. O príncipe pôde fazer uma inspeção completa dos trabalhos, sob a supervisão do Major Hemming, diretor geral, examinando plantas e fotografias112.
Como contraponto é possível traçar um contexto ampliado dos fatos. A baixa do câmbio parece dificultar a economia brasileira. O novo governo sofre as consequências, atribuídas tanto a erros do governo passado como a fatores como “desconfiança dos capitalistas”, ameaças de nacionalização de indústrias siderúrgicas e hidroelétricas, revisões de contratos...
Entre conflitos localizados registra-se a “hostilidade” da Prefeitura do Rio de Janeiro contra algumas empresas. Essa condição parece ter justificado a busca de soluções com o reconhecimento da dívida pela Prefeitura do
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Distrito Federal e a constituição de uma comissão de arbitragem dos valores. Notas na imprensa opinam sobre a situação.
Os casos da Telephonica e da Aircraft são ainda mais graves. Ameaçar de nulidades contratos celebrados com capitais externos, regularmente elaborados e aceitos pelos poderes então competentes, equivale, sem dúvida alguma, a colocar um espantalho financeiro sobre o Brasil 113.
Não se sabe muito sobre o panorama que se segue a curto prazo. Em maio de 1932, um ano depois, a revista especializada britânica Flight Magazine, apresenta um artigo que registra a finalização dos trabalhos do levantamento do Distrito Federal e do Rio de Janeiro114. Após três anos e meio, um ano a mais que o previsto devido aos conflitos revolucionários, foi possível realizar os serviços. Os trabalhos finais sofreram durante os conflitos, dando cor local ao relato, considerando a proximidade do escritório ao Palácio do Catete, como aponta a revista, o que gerou problemas de acesso e normalidade das operações.
O artigo enfatiza a peculiar topografia carioca, com variações de altitude do nível do mar a mais de 600 metros, e a extensão territorial para enaltecer o curto prazo dos trabalhos frente aos quinze anos previstos com o emprego de métodos tradicionais. Quatro conjuntos cartográficos, nas escalas de 1:1.000, 1:2.000, 1:5.000 e 1:20.000, compõem os produtos finais. Uma ampliação em escala 1:10.000 estava sendo finalizada, a partir do último produto.
Com as investigações sobre o contrato empreendidas pelo novo regime, Alan Butler, coordenador da empresa, decidiu levar os trabalhos adiante, mesmo sem pagamentos e com custos crescentes. Ainda assim, segundo a mesma fonte, alguns trabalhos estavam pendentes como a impressão de parte dos conjuntos. A empresa espera ainda o reconhecimento da dívida pelo governo para finalização dos serviços.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Até o conflito revolucionário, informa a revista, foram pagos 40 mil libras esterlinas, com a entrega dos trabalhos de igual montante. Agora o valor reivindicado atinge um total de 180 mil libras. Aguardavam-se para breve as deliberações iniciais da comissão de arbitragem nomeada pelas partes.
Embora o contrato tivesse sido ameaçado de cancelamento no início da contestação, o reconhecimento da importância das obras realizadas havia contribuído para o andamento da negociação. Contudo, frente à coincidência entre a crise econômica mundial e o impacto sobre a posição financeira do empresário Alan Butler, este decidiu suspender as atividades da companhia, mantendo em operação apenas a subsidiária sul-africana.
A deflagração de novo conflito revolucionário em meados de 1932, certamente, contribuiu para retardar a solução do caso. Apenas em fevereiro de 1933 notas na imprensa local noticiam a entrega, no dia 22, do relatório da comissão de árbitros, assinado por Deraldo Filgueiras e Raymundo Pereira da Silva, ao interventor federal Lourival Fontes115. Semanas depois, no dia 16, a Prefeitura concorda com o parecer e reconhece a dívida de 63.897 libras116.
Constestações devem ter estendido, contudo, o processo. Em setembro de 1933, nota em tom oficial do gabinete do interventor procura responder a artigos na imprensa carioca sobre a resolução em liquidar a dívida com a empresa.
Submetida a pendência a juízo arbitrai -ao laudo que foi lavrado, submeteram-se ambas as partes - [obtem] daí a obrigação de pagar a Prefeitura à Aircraft a importância de 158. 793.4.2, de principal, além dos juros, que foram contados a taxa de 4%. Conseguiu ainda a Munici¬ palidade (cláusula 3a do tenno) que os pagamentos pudessem ser feitos em moeda nacional, no caso de não se conseguir a necessária cobertura, tomando-se, como taxa, a que vigorar oficialmente para compra de saques à vista, sobre Londres.
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
O procedimento da Interventoria pôs termo, assim, a uma questão desagradável, que vinha tendo repercussão internacional, com reflexos em o crédito do município no estrangeiro.
Cumpre-nos agora informar que o assunto ficou completamente liquidado, importando a despesa total, juros inclusive em 161.674.[ 16]117.
A história irá se estender. Em fevereiro de 1934, Cari Alexander Oelsner, engenheiro-chefe da empresa entre 1928 e 1931, comentava em artigo que infelizmente até aquele momento a Diretoria de Obras, o Cadastro Fiscal e o público “estão privados das nossas plantas as quais foram feitas com tanta dedicação e suor” (OELSNER, 1934, p.328).
Nova comissão arbitrai parece ter sido formada, entregando em 15 de maio seu relatório. Os árbitros Josino Medeiros, procurador-adjunto dos Feitos da Fazenda, e o general Christovão Barcellos, pela empresa, não chegaram a um acordo, apresentando laudos em separado. Pedro Ernesto, o interventor, nomeou imediatamente como juiz o desembar¬ gador Renato Tavares, da Corte de Apelação118.
O processo ainda que tortuoso119 consegue chegar a seu término. Consta enfim a liquidação do débito, até o final de junho de 1934, com dois pagamentos: 3.180:022$00 e mais 2.574:524$000, em apólices120. A contenda passaria ainda por outro entrave, agora restrito ao grupo dos agentes de intermediação da empreitada, aos lobistas. Certa parte da imprensa usará a presença desse agenciamento para criticar a prática junto aos negócios feitos pelo governo. Victor Nothmann, representante da empresa, acabaria por receber da Aircraft Operating o valor de 262 contos em comissões121.
Sobre o impacto causado, enfim, pela entrega do levantamento do Rio de Janeiro e do Distrito Federal pouco se sabe. Parece ser quando muito restrito ao panorama local se considerarmos que a parca historiografia
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
sobre aerofotogrametria aplicada na gestão urbana, na parte produzida em São Paulo, não traz menção a aquela iniciativa.
Sua presença parece não ter registro maior na historiografia urbana carioca numa primeira visitação. Seria de duvidar, não houvesse confirmação dos pagamentos, de sua entrega efetiva à Prefeitura122. Porém, não há registro do encaminhamento do conjunto de documentos de trabalho (cadernetas, negativos etc) como previsto em contrato.
Rara evocação desta cartografia, em um vasto recorte no qual a produção do século XX tem espaço generoso, é a mostra Do cosmógrafo ao satélite, organizada por Jorge Czajkowski (2000). Aqui se recupera a presença dos levantamentos aerofotogramétricos da cidade do Rio desde 1928. Embora haja menção apenas a 51 pranchas relativas ao mapeamento na escala 1:1.000, seu curador indica que o levantamento aerofotogramétrico de 1928 foi a base para a Planta da Cidade do Rio de Janeiro, editada em 1935, referenciada nesta fonte como “planta cadastral”. Em escala 1:5.000, um conjunto de 113 pranchas (27,5 x 46,6 cm cada), encomendado pela Secretaria de Viação, Trabalho e Obras da Prefeitura do Distrito Federal, integra acervo do Instituto Pereira Passos. Como ocorreu em São Paulo, o segundo mapeamento aerofotogramétrico do Rio de Janeiro, informa o texto, data também de 1953- 1956, composto pelo menos por série de 21 1 pranchas em escala 1 : 1 .000.
No que toca ao mapeamento realizado de 1928, ação recente garantiu, a partir de tratamento e conservação realizado em 2012, a disponibilização do conjunto final de fotocartas e pranchas gráficas, custodiado pelo Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ). O acesso digital, desde o início de 2014, permite conhecer, como parte do Fundo Diretoria de Secretaria do Gabinete, os espécimes cartográficos entregues pela Aircraft Operating. Organizados em duas séries: Aerofotogrametria (1928-1929) e Levantamento Terrestre (1930), os itens estão reunidos em dossiês por região123.
Preâmbulo necessário: Rio de Janeiro
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
São Paulo: de volta ao debate
Visto agora em perspectiva, é possível retomar a discussão sobre o parecer da Câmara Municipal de São Paulo relativo à proposta de contratação do levantamento topográfico do município. O parecer n° 52 volta à pauta em segunda discussão na sessão do dia 24 de abril de 1928 124.
Na abertura da apresentação, o vereador Goffredo Telles, relator das comissões responsáveis, comenta artigo na imprensa que afirma serem os membros das comissões favoráveis à contratação da proposta da Junkers Flugzeugwerk. O parecer “era um hino a essa empresa”, segundo os jornais. Telles reforça que o texto aponta na direção oposta. Embora siga em parte o edital adotado no Distrito Federal (veja Anexo II), este é omisso em vários pontos detalhados no parecer.
Surge um conflito nesse sentido com o vereador Sinésio Rocha, o que leva ao adiamentto da discussão para o dia 5 de maio125. Agora, com apresentação de emendas propostas pelo relator e pelo vereador Sinésio Rocha, o parecer é aprovado, bem como as emendas em separado, voltando o conjunto às comissões para avaliação.
Ocorre aqui uma nova inversão de perspectiva. Se a solicitação de autorização do Prefeito para contratação fora criticada como vaga, a emenda inicial apresentada pelo vereadores caminhava em sentido inverso. A partir dessa fase, porém, a discussão do novo parecer, agora sob o número 85, na segunda discussão exigida pelo regulamento, realizada no dia 26 de maio126, aponta para um projeto lei mais vago que o inicial.
É lido e aprovado em votação o texto legal, genérico, em 3 artigos, que não menciona nem mesmo o método de trabalho, mas apenas seu objeto:
71
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
o levantamento topográfico do município. O vereador Almeirindo Gonçalves, que apresenta emenda nessa direção, chega a comentar seu encontro com o Prefeito há dias:
Entende s. exc. que será bastante à administração municipal o levantamento numa escala pequena de 1:25.000, por exemplo, pois não temos necessidade de cadastro de maior precisão.
Em casos de desapropriação, em que as áreas devem ser indicadas, com a maior aproximação possível, a aerofotografia, ainda em outra escala, não é o meio mais adequado para o serviço.
Interessaria mais de perto ao Estado, é verdade, um levantamento em maior escala, para servir de base ao lançamento de impostos e outros fins121.
Gofffedo da Silva Telles contestará os encaminhamentos apontando que o substitutivo dá carta branca ao Prefeito. O processo que buscava restringir, como afirma em debate com Sinésio Rocha, acaba por autorizar “quase sem restrições” a solicitação. Telles comenta a ausência na proposta de “claúsulas que garantissem o interesse do município, quanto ao rigor dos levantamentos e à exatidão das plantas.” (CMSP, Anais 1928, p.346).
As discussões, que parecem rumar para um texto legal sintético, indicam, em paralelo, que o Executivo já dava andamento prático em pontos acessórios. Ainda na sessão do dia 26, o vereador Diógenes de Lima pede para constar em ata que o prefeito Pires do Rio já designou,
pondo-os em comissão junto à empresa que ficar incumbida do serviço de que tratamos, afim de acompanhá-lo em suas fases, os engenheiros drs. Jorge Corbisier 12S, que já acompanhou o serviço congênere de levantamento do Tietê, e Sylvio Noronha, chefe da 7a Seção de Obras.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Sabe-se ainda que foi iniciado o serviço preliminar de verificação e extensão das bases de triangulação já existentes.
(CMSP, Anais 1928, p.347).
O novo parecer será retomado nas sessões dos dias 23 de junho e, em segunda discussão, em 7 de junho129, quando é aprovada a proposta de lei. O único voto contra é do vereador Goffredo Telles. Resta à última sessão contestar a imprensa, no caso artigo em O Estado de S. Paulo, o que é feito pelo vereador Ulysses Coutinho. Como resposta ao jornal que acusa a Câmara e a Prefeitura de responsabilidade “de não se haver cogitado do preparo da cidade para a época de grande progresso que ela está atravessando”, o parlamentar menciona as obras de retificação do rio Tietê130, como também os estudos das radiais do Anhangabaú e Itororó, que resultariam nas décadas seguintes nas avenidas Nove de Julho e 23 de Maio, e o próprio levantamento topográfico, iniciativa direta do prefeito Pires do Rio.
Em 17 de julho o prefeito promulga a lei n° 3.203, aprovada na sessão do dia 7 último:
Art. Io— Fica o Prefeito autorizado a contratar com quem maiores vantagens ofereça e pelo processo que julgar mais conveniente, mediante concorrência pública, o levantamento topográfico do Município.
Art. 2o — Fica o Prefeito autorizado a entrar em acordo com o governo do Estado, para que o serviço se realize em proveito de ambas as administrações, sendo por elas custeado.
Art. 3o —As despesas com a execução desta lei correrão pelas verbas próprias do orçamento vigente e, na sua insuficiência, serão feitas com o produto do último empréstimo estrangeiro.
Art. 4 - Revogam-se as disposições em contrário.
(CMSP: base de legislação municipal)
São Paulo: de volta ao debate
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Do edital ao contrato
Um mês depois, em 16 de agosto, sai o edital da concorrência. Surpreendentemente, em contraste com o lacônico texto da lei, a concepção segue o parecer inicial e sua ênfase nas exigências técnicas voltadas para controle do processo e acuracidade131.
Além de dar preferência ao processo aerofotogramétrico, o texto é direto ao apresentar de início as tolerâncias admitidas, antes mesmo de descrever os produtos finais. Define-se, então, apenas o levantamento em escala 1:5.000, cobrindo todo o município (930 km2)132, apresentado em 3 conjuntos:
•fotocartas, em 25 pranchas enteladas133,
•versão impressa das mesmas, com tiragem de 5 mil exemplares, e •6 exemplares de cada prancha, em papel transparente para tiragem de cópias.
Fica em aberto, “caso a Prefeitura julgue necessário”, a realização de levantamento da área central da cidade, em escala 1:1.000, cobrindo 30 km2. Este seria entregue também em 3 conjuntos similares, formados por dez pranchas, com tiragem impressa de mil unidades. Os produtos programados são assim muito distintos do edital carioca. A concorrência da capital federal prevê de início quatro levantamentos nas escalas 1:1.000, 1:2.000, 1:5000 e 1:20.000, cobrindo como aqui áreas progressivamente maiores. Além disso, as tiragens impressas seriam significativamente menores.
Como no edital carioca, exige-se a entrega de toda a documentação de trabalho e registros como negativos e até mesmo pedras litográficas, sendo todos os itens “numerados, catalogados e acondicionados”. A entrega, no caso paulistano, é condicionante para o pagamento da última parcela.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DK SAO PAULO Dlrectnrin ile Obra» 0 VtaçRo
EDITAL
Fago publico, de ordem do ir. prefeito municipal, que no dia 18 do corrente, As 14 horas, fcc- r.to abertas, no gabtnote do dlrcctor de Obras, as propostas apresentadas, nos termos do edital do concorrência publica, para o levantamento topogra- phlco do Município de Silo Pau¬ lo e de accOrdo com a Lot n. 3.203, de 1928.
Apresentaram propostas: a Com pasmo Acrienne Françalse, SooictA Anônima Rilevamentl Aorofotogrammetrlcl a a Jun- kers Flugscngwerke.
São Paulo, 14 de Setembro do 1928. — O dlrector de Obra« e VluçAo — AUTHUR SABOTA-
A Prefeitura Municipal anuncia a abertura das propostas no dia 18 de setembro.
O Estado de S. Paulo, 15 de setembro de 1929.
Antes mesmo do período de apresentação de propostas, a Junkers Flugzeugwerke, através do seu representante local, Flavio Prado Uchoa, confirma custo unitário por hectare coberto junto ao engenheiro Georges Corbisier, há pouco mencionado. A comunicação, registrada em memo¬ rando, de 1 de agosto de 1928, traz dados novos ao modificar a proposta inicial. Esta propunha o levantamento na escala 1:5.000, com curvas de nível equidistantes de 5 em 5 metros, apresentado em 10 fotocartas e pranchas impressas com tiragem de mil exemplares. A empresa mantém o mesmo preço unitário por hectare de US$ 2, atendendo as quantidades expressas no edital134.
São Paulo: de volta ao debate
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
As propostas são abertas no dia 18 de setembro, às 14 horas, no gabinete da Diretoria de Obras. Concorrem as empresas Compagnie Aérienne Française, Junkers Flugzeugwerke e Societá Anônima Rilevamenti Aerofotogrammetrici, de origens francesa, alemã e italiana respectivamente135. São representadas, por sua vez, pelo Barão Etienne Menou, Max J. Ungewitter e J. & H. Robba136. As duas primeiras participaram meses antes da concorrência carioca, tendo a Compagnie Aérienne Française apresentado então proposta incompleta. Lembremos que a Junkers desistira de sua participação no edital carioca por questões internas da empresa, ainda na fase de análise das propostas137.
A S.A.R.A., sigla pela qual será vulgarmente conhecida a empresa romana138 Societá Anônima Rilevamenti Aerofotogrammetrici, sai vencedora.
Foi aceita a proposta da 'Societá Anônima Rillevamenti Aerofotogrammetrici' , de Roma, por ter sido a mais barata apresentada: seu preço unitário por hectare foi três vezes menor do que suas concorrentes. (...)
A Companhia, que tem sucursal na Inglaterra1^9, levantou também as concorrências de serviços congêneres na Grécia, Albânia e Romênia; pretende, também, fundar, aqui, uma sucursal, estando para esse fim, bem adiantados os movimentos financeiros; ela explora um método de levantamento aerofotogramétrico, por meio de um aparelho de genial construção, do engenheiro militar italiano, general Umberto Nistri; é o fotocartógrafo Nistri. Este aparelho, por movimentos combinados, reproduz em impresso, a planimetria e o relevo de fotografias aéreas, de uma forma detalhada e precisa.
O aparelho mereceu os mais francos elogios, por parte dos técnicos alemães e austríacos, tidos como autoridades mundiais neste assunto140.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Yv eir o
-Ç- em
O
*
ROMA
Via Francesco Negri, 11
A tabela de colocação das propostas, conforme publicado na imprensa, em julgamento realizado em 25 de setembro, onze dias depois da entrega, revela que apesar do posicionamento em terceiro lugar quanto a provas comprobatórias, que comentaremos adiante, seus preços foram decisórios.
a) grande diferença, para menos, na parte relativa aos preços unitários para a execução dos trabalhos, nas escalas de 1:5.000 e de 1:1000; b) insignificante diferença de tempo (apenas dois meses) a mais para a terminação da tarefa; c) igualdade de condições de idoneidade moral e técnica, sendo de notar que a classificação inferior obtida quanto às provas de serviços executados resulta do fato de ser essa empresa de fundação relativamente recente141.
Em 20 de outubro, um mês após, Arthur Saboya, diretor de Obras e Viação, encaminha a informação para publicação, com autorização do prefeito Pires do Rio142. Dias depois, Saboya indica para fiscalização os engenheiros Georges Corbisier ([1 895J-1937143) e Silvio Noronha144, chefes da 2a e 7a Seção145, além de Agenor Machado (1894-1974)146.
Como principal fiscal, Machado é figura experiente, atuando na Comissão Geográfica e Geológica do Estado (CGG), permitindo entronsamento entre os setores especializados nas duas esferas147. 77
São Paulo: de volta ao debate
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Na página anterior, detalhe de papel timbrado utilizado por Agenor Machado, engenheiro fiscal dos serviços realizados pela S.A.R.A.
Processo 59.758/30 - f.l.
Acervo AHSP
Corbisier, em entrevista ao Correio Paulistano, no dia 8 de dezembro, traça um panorama didático dos serviços contratados. É apresentado como “jovem e brilhante engenheiro”, chefe da 2a seção da diretoria de Obras Municipais: “Além de chefiar um departamento que só lida com plantas, é piloto-amador, dedicando-se, com verdadeiro carinho, às cousas da aviação. E secretário do 'Aéro Club de São Paulo'148."
O contrato é assinado fmalmente em 14 de novembro. A munici¬ palidade é representada pelo Prefeito José Pires do Rio e a empresa italiana por J & H. Robba - João e Henrique Robba149. Importante mencionar que o texto, além das tolerâncias admitidas (cláusula 9), traz orientações mais detalhadas quanto a triangulação, nivelamento e visadas (cláusulas 10 a 12).
Os produtos finais passam a incluir os levantamentos em escala 1:5.000 e 1:1.000, conforme as especificações do edital. O contrato estabelece as características físicas de cada produto, já conhecidas, e acrescenta que os originais das fotocartas seriam “fornecidos sem retoque, devidamente estirados e colados em chapas de alumínio” (cláusula 14)150.
O serviço, a partir da assinatura, teria começo em 14 de dezembro de 1928, prevendo-se um prazo máximo de 24 meses para entrega. Os custos finais, por hectare, atingem aqui 12$000 (doze mil réis) para o levantamento na escala 1:5.000, e 50$000, na escala 1:1. 000151. Nessas bases, é possível calcular um valor total de 1.266:000$000 - um mil contos e 266 mil réis.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Umberto Nistri, assinatura no processo 31.771/31, f.l. Acervo AHSP
Os personagens: Umberto Nistri
Os irmãos Umberto e Amedeo152, engenheiros italianos, fundam em 1921 a S.A.R.A - Società Anônima Rilevamenti Aerofotogrammetrici153. Jovem, Umberto (Roma, 16.9.1895-Roma, 24.4.1962), agrimensor formado aos 18 anos, atua como piloto durante a I Guerra Mundial. Ao final do conflito, com a morte do pai em 1918, assume com o irmão Amedeo (1897-1936) a guarda dos outros quatro irmãos, decidindo assim permanecer na aeronáutica. Interessa-se pela aerofotogrametria nascente, campo no qual terá destaque no imediato pós-guerra pelo desenvolvimento e fabricação de equipamentos como câmeras e restituidores154.
A abertura da empresa é o passo natural após Umberto haver projetado e construído seu primeiro instrumento restituidor. Lembre-se que já em 1921 registra sua patente em todo o mundo, dois anos após pedido de patente na Itália. Nesse ano, por exemplo, recebe no Brasil o registro n" 12.192, do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, para seu “Memorial descritivo da invenção de 'um novo processo fotogramétrico para levantar plantas e um aparelho para esse fim', para que pretende privilégio de invenção Umberto Nistri, estabelecido em Roma, Itália”155.
Com seu irmão Amedeo, topógrafo e matemático, através da empresa S.A.R.A., será responsável por levantamentos aerofotogramétricos para os planos reguladores de Roma e Milão ao redor de 1930. Em 1926, Umberto funda em Roma a Ottico Meccanica Italiana - OMI, voltada para a produção de equipamentos.
79
São Paulo: de volta ao debate
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Roma dali' aeroplano, 1919.
Levantamento aerofotogramétrico atribuído a Umberto Nistri.
Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1461938>. 80 Acesso em: 27 de junho de 2014.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
A atividade da S.A.R.A. será interrompida na segunda guerra. Após o conflito os filhos de Amedeo - Giuseppe e Marcello - estabelecem a S.A.R.A. S.p.A. (Società Aerofotografie e Rilevamenti Aerofoto- grammetrici), depois transformada em S.A.RA. N1STRI156.
A OMI, por sua vez, segue sua produção de equipamentos. O filho de Umberto - Raffaello Nistri (1920-1981) - preside a empresa a partir de 1962 após a morte do pai. A OMI fará parte na década de 1980 da Agusta157, sendo o setor de aerofotogrametria dividido entre a S.A.R.A. Nistri e Aerofotogrammetrica Nistri158.
Recuperar a contribuição de Umberto Nistri para a aerofotogrametria requer certo esforço, considerando que boa parte das fontes historiográficas sobre o tema adotam recortes regionais, como o desenvolvimento do campo na América do Norte (EUA e Canadá) ou na Europa, com ênfase na Inglaterra ou Alemanha.
Attilio Selvini é o autor que permite ter uma ideia do panorama italiano, tanto em seu livro Appunti per una storia delia topografia in Italia nel XX secolo (2013) ou em artigos como o perfil de Umberto Nistri já mencionado (2012)159. Além de câmeras para fotografia aérea e equipamentos maiores para restituição que serão comentados mais a frente, bem como as provas de habilitação técnica apresentadas na concorrência paulistana em 1928, é mais significativo apontar algumas experiências dos Nistri no registro aerofotogramétrico. Assim, em 1919, imagem reproduzida neste informativo, atribuída a Umberto Nistri, apresenta o fotomosaico - Roma dali 'aeroplano160, que se constitui como marco histórico na sua produção161.
São Paulo: de volta ao debate
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Já em 1919, como comandante da Escola de observação aérea da Aeronáutica, realizou para o Escritório [Agro] romano o levantamento fotogramétrico de um pequeno trecho das margens do Tibre, para o trabalho de redefinição do leito do rio.
Esta primeira operação foi realizada a partir de um avião com uma câmera fotográfica de funcionamento semi-automático, sobra de guerra, a partir da qual foram obtidos dados métricos associados a uma rede de pontos previamente distribuídos e gravados em solo, é, sem dúvida, o ato de nascimento oficial da 'prática aerofotogramétrica italiana'. No ano seguinte, graças a uma versão ainda não defintiva do fotocartógrafo, foi possível experimentar o 'método fotogramétrico Nistri' na execução do levantamento do campo de tiro de Farnesina (onde agora temos o Stadio dei Marmi e o Foro Itálico), na escala de 1:1.250, demonstrando as vantagens significativas da aplicação prática do sistema.
(CERAUDO, 2013)
Os personagens: os irmãos Robba
Os dois irmãos Robba - Giovanni e Enrico - são, desde o primeiro momento da década de 1920, personalidades notórias na capital paulista. Integram o grupo de seletos aviadores, de origens diversas, que toma os ares das cidades brasileiras.
Salvo a origem italiana, pouco se sabe de seus antecedentes. Enrico (Itália, 1896-1978) chega ao Brasil aos 12 anos. Quase certo, veio com a família e seu irmão, mais velho, Giovanni Antonio (Itália, [1894]162- 1959). Aos 18, já adotando a forma aportuguesada, surge como Henrique praticando remo no Club Esperia, na Ponte Grande. Terá como esportista presença regular até final da década de 1940 no sabre e na esgrima, e depois no tênis.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
João e Henrique, aviadores, que foram instrutores de Ribeiro de Barros, comandante na travessia do Atlântico com o Jahú, posam para reportagem de O Malho , de 7 de maio de 1927.
Acervo Biblioteca Nacional
João e Henrique Robba retomam à Itália para participar da I Guerra Mundial. Lá aprendem a pilotar. Talvez seja desse período o contato com Umberto Nistri, figura de destaque na aviação. De qualquer forma, há uma certa sincronia no pós-guerra, em novembro de 1918, entre as pesquisa de Nistri em fotogrametria e a dedicação dos Robba na busca de oportunidades para a aviação.
Em agosto de 1920, os irmãos Robba surgem em São Paulo como aviadores reconhecidos nos jornais. A imprensa já registra o campo de aviação, na Vila Olímpia, em sociedade com o aviador Domingos Bertoni163. Oferecem ali, entre outros serviços, aulas, sendo um dos 3 locais de ensino na capital para pilotos civis164. Terminam a montagem então do primeiro avião adquirido, além de aguardarem mais 5 aero¬ naves, já embarcadas ou à espera de produção.
83
São Paulo: de volta ao debate
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Henrique e João Robba, aviadores italianos, associados ao colega e patrício Domingos Bertone, já concluiram a instalação de uma escola civil de aviação, em Vila Olímpia, no caminho de Santo Amaro, em São Paulo.
Bertone fez a guerra na Itália como piloto numa esquadrilha de reconhecimentos; Henrique Robba foi instrutor de uma das principais escolas italianas de aviação; e seu irmão João tomou parte na guerra como piloto de avião [Sp2d\, numa esquadrilha de caça.
A escola já dispõe de três aviões Aviatik', motor Rhone', para instrução de alunos contando ainda com mais cinco que estão em Santos, na alfandega165.
O potencial da empresa, o “campo no Jardim América”, tem registro na imprensa, em nota no dia 18 de dezembro de 1820 sobre a nova organização, trazendo um balanço das ativades realizadas nos últimos quatro meses. O articulista destaca a organização dos livros, o regulamento interno do hangar, a pequena oficina mecânica e o depósito de peças. Menciona as duas aeronaves utilizadas pelos irmãos, enfatiza a segurança, e registra, por fim, o transporte no período de 415 passageiros.
E entre os nomes dos 415 passageiros aparecem os de figuras de destaque da sociedade paulistana, da colônia, de profissionais ilustres, conhecidos esportistas, de industriais, de fazendeiros e assim por diante. E ao lado dos nomes podemos conhecer os minutos de voo, a altitude atingida, as condições atmosféricas e vários outros dados que deixam a quem examina a impressão de estar frente a uma pequena, sim, mas rigorosa organização cuja gestão é confiada a nomes serenos, práticos, competentes, modestos e corajosos166.
Em novembro, na recepção de personalidades italianas, no Brás, fazem “diversas evoluções sobre a avenida Rangel Pestana, à pequena altura, sendo muito aplaudidos”167. Essa presença regular em eventos públicos,
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
como vimos de início, será frequente. Buscam, quase certo, a visibilidade dada pelos jornais na busca de oportunidades comerciais ao mesmo tempo que reforçam laços sociais.
Pouco a pouco exploram outras possibilidades. Em outubro de 1921, por exemplo, jornal de Recife informa em telegrama transcrito: “Rio, 10 - O aviador paulista, sr. Robba, acompanhado de um passageiro fez, com êxito um 'raid' aéreo de São Paulo a Poços de Caldas”168. No início de 1922, em fevereiro, a revista carioca O Malho publica foto de grupo com o “piloto aviador” João Robba, o tenente-engenheiro Giuseppe Cometto e o mecânico Vasco Cinquini, do Aeródromo Brasil, posando frente à aeronave “com que foram de S. Paulo a Ribeirão Preto, em viagem de estudos para estabelecer uma linha comercial entre as mais importantes cidades do grande Estado”169.
Visibilidade social e entretenimento são uma mistura peculiar. As tardes de aviação são traço distintivo do momento. João será, entre tantos aviadores, reconhecido pela perícia em manobras. Assim, em 4 de junho de 1922, numa promoção dos irmãos Robba e Fritz Roesler, João faz, no (aeródromo) do Jardim América um voo de cabeça para baixo, apontado como novidade em São Paulo170. Poucos dias depois, no dia 11, o Prado da Mooca recebe uma das primeiras homenagens aos aviadores portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho, pelo raid Lisboa-Rio, quando eles ainda se encontravam a meio caminho, em Salvador. O evento é organizado pela “jovem” aviadora Thereza de Marzo, com a presença destacada da “figura simpática” de Edu Chaves, “glorioso” realizador do raid Rio-Buenos Aires.
Fizeram-se depois diversos voos com passageiros, disso se encarregando Robba, Fritz e Steelmam, que foram infatigáveis e, mal aterravam, elevavam-se novamente do solo, ora conduzindo um cavalheiro, ora uma senhora, para demorar-se longo tempo nas alturas, realizando não raro, difíceis manobras.
São Paulo: de volta ao debate
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Por fim, um dos irmãos Robba que foram os professores de Thereza de Marzo, conduzindo uma passageira, encerrou brilhantemente a tarde de aviação, num voo demorado, em que com muita perícia efetuou difíceis acrobacias, trazendo sempre a assistência presa da mais viva emoção, até que, ao aterrar, recebeu, como merecia, estrepitosos aplausos111 .
Em 15 de outubro, a aviadora Thereza de Marzo inaugura seu campo de aviação - o Aeródromo Ypiranga. O evento conta com a presença de representantes do governo municipal e personalidades do setor como Georges Corbisier, diretor do Aero Club de S. Paulo. O campo, com as dimensões de 400 por 300 metros, tamanho usual no período, ficava junto ao leito da estrada de ferro São Paulo Railway e à “estrada de rodagem para São Bernardo”, com vento predominante sul, como infonna a imprensa172. Em homenagem à anfitriã os aviadores Robba, Roesler e Stechan fizeram voos com passageiros. De Indianópolis, quase certo do Aeródromo Brasil, veio a aviadora Anesia Pinheiro Machado, num “aparelho caudron 80 HP, pilotado pelo destemido aviador paulista Reynaldo Gonçalves, o qual fez acrobacias...”
Esses eventos não se restringem à capital173. E, muitas vezes, reunem pessoas que veremos envolvidas mais a frente no empreendimento realizado pela S.A.R.A. Brasil anos depois: Corbisier, os Irmãos Robba etc. Em 13 de maio de 1923, os irmãos estão em Santos, no Jockey Club, em evento em benefício do Retiro dos Jornalistas, que conta com a presença de Zezé Leone, a “rainha da beleza”174. Dois meses depois, em 15 de julho, o aeródromo do Portão, em Curitiba, recebe o “festejado 'az' italiano Giovani Robba”. Já na estação ferroviária, dias antes, é recebido por personagens como Albano Reis, presidente da Escola de Aviação no Paraná, cav. Hugo Tomasi, cônsul da Italia; cav. Vicente Alberico, diretor do Banco Francez e Italiano... No evento, “...o aviador Robba executará arrojados voos, no que é perito, além de belos vôos à fantasia”175. João Robba estará de volta à cidade em 11 de dezembro do
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Henrique Robba, busto em bronze.
Sem autoria, sem data.
Coleção particular
mesmo ano. Nota na imprensa informa que prosseguiam os voos com passageiros no avião 'Curytiba', a seu comando, conduzindo entre outros João Baptista Groff (1897-1970), cineasta e fotógrafo176. Após os vôos a Escola de Aviação ofereceu às 17 horas um “chá dedicado as famílias que ali compareceram”177.
Os Robba, contudo, mantêm em paralelo empreendimentos em outros setores. Como surgiram essas iniciativas é difícil precisar. Em abril de 1929, em meio ao andamento dos trabalhos da S.A.R.A. Brasil para o levantamento topográfico da capital paulistana, é possível identificar essas ações. Sob a denominação J. & H. Robba, já estão sediados à Rua Conselheiro Nébias n° 162. Oferecem basicamente serviços voltados para setor automobilístico em expansão contínua: "Carpinteria, Seleria, 87
São Paulo: de volta ao debate
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Pintura, Eletricidade, Solda Autogenia/ CONCERTOS/ AUTOS- MOTORES/ MAQUINISMOS, ETC./ Fabricação de Acessórios/ para Automóveis”. Essa relação, que consta de papel timbrado da firma, finaliza com os serviços voltados para a aviação civil: " 'AERODROMO BRASIL'/ ESCOLA/ Excursões Aéreas/ Caminho da Casa Verde/ PONTE GRANDE/ S. PAULO”178.
Desde 1928, Henrique participa, como suplente do Conselho Consultivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, sinal que seus interesses comerciais fora da aviação deviam ter algum peso179. Em 1933, a empresa Henrique Robba & Cia surge em anúncio como distribuidor dos acumuladores Heliar, à Rua Dr. Frederico Steidel n" 25/29180. E nessa direção, a partir de então, que os negócios tomam rumo181. Sua presença, como a de João, na aviação civil como empresário perde espaço a partir de meados da década de 1930.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Preparando terreno:
a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
Vencida a concorrência para execução do levantamento topográfico do município de São Paulo, em outubro de 1928, surgem na cidade as primeiras ações da empresa escolhida. Evento no Circolo Italiano, na Rua São Luiz, no dia 20 de novembro, às 20h30, sob os auspícios do cônsul-geral Serafin Mazzolini, parece ter a função de divulgar a empreitada. O objetivo ficará claro de imediato: constituir a empresa societária para realização do projeto.
O engenheiro Lourenço Traldy apresenta então a conferência A aerofoto- grametria com o sistema Nistri1S2. Notas na imprensa anunciam o evento183. Na expectativa, frustrada, da presença do prefeito Pires do Rio, o encontro começa com atraso de uma hora. Além de Traldy, representando a empresa, acompanham a leitura os irmãos Robba, apresentados como aviadores aqui residentes que tomarão parte nos trabalhos.
O recinto da distinta agremiação ficou literalmente cheio, notando- se na assistência os representantes das altas autoridades estaduais, do corpo consular, grande número de engenheiros da Prefeitura Municipal, técnicos civis e militares, famílias e muitos outros convidados, além dos sócios do Círculo.
Estiveram presentes ainda o sr. Cônsul Mazzollini e o sr Gustavo de [Sestoa], cônsul espanhol em São Paulo, e a senhorita Annita Italla Garibaldi, neta do 'herói dos Dois Mundos'. 184
Traldy apresenta em 90 minutos, com o auxílio de projeções, as vantagens do método Nistri destacando a precisão técnica e a redução de custos. O palestrante apresenta ao final estudos sobre levantamentos para a prefeitura de Milão comentado as margens de erros médios através do sistema “automático” de restituição aerofotogramétrica.
89
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Exibiu vários 'clichés' de projeções de curvas de nível e provas de fotografias aéreas em que registraram os acidentes topográficos com exatidão indiscutível, na escala devida.
Em seguida, deu explicações sobre o manejo das máquinas necessárias ao serviço, desde a câmara fotográfica de levantamento até a de revelação e reprodução 185
Nos dias seguintes a recepção na imprensa reflete antes de tudo o engajamento político dos jornais. Se o Correio Paulistano traça um quadro mais neutro, talvez reflexo de sua proximidade com os quadros no poder, o Diário Nacional é contundente em sua chamada: “Prefeitura e fascismo”. A reunião alcança de qualquer forma sua finalidade: lançar as bases para a formação de sociedade anônima destinada a elaborar os serviços aerofotogramétricos.
O capital de 1.000 contos, que fôra prefixado, subscreveu-se em pouco tempo por capitalistas, que, na sua maioria, são declaradamente fascistas, organizando-se assim mais uma empresa estrangeira, e, além do mais, partidária de uma política de exaltação e de fanatismo, para explorar concessões que os nossos governantes dão com a maior facilidade e mais absoluta inconsciência.
(...) O contrato que o dr. Tealdy lavrou com o prefeito Pires do Rio favorece inteiramente a companhia. As suas cláusulas são munificentes, folgadas, pródigas. 1 86
A outorga do serviço à empresa, vista como fascista, e um evento de apresentação certamente instrumentalizado pelo corpo consular, além dos reflexos do calor da hora, retomam uma questão discutida, como vimos, desde 1919. O controle previsto em lei federal de 1925 não parece suficiente para muitos187.
Virão com ele aviadores pertencentes ao Facio e alguns aviões, afim de fotografarem, do alto, a capital paulista. Os negativos dessas
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
fotografias irão para a Itália, afim de ser feito o trabalho chamado de planificação. Seria medida de elementar previdência impedir que esse fato se desse. Lá fora, longe das nossas vistas, é bem possível que fiquem cópias das fotografias tiradas aqui em nossa terra, de modo a constituírem elementos para a fatura de cartas topográficas possivelmente mais perfeitas que as que possuímos.
Porque é preciso que se sabia que o trabalho da carta cadastral somente em parte será realizado em S. Paulo, pois que o aparelho que transforma a fotografia em relevo topográfico, denominado fotocartogràfico ' esse não sairá da Itália, e enfeixa mesmo todo o segredo do sistema Nistri...
A Prefeitura, é certo, nomeou três engenheiros nacionais para fiscalizarem o desenvolvimento dos trabalhos da empresa fascista. Mas que vale isso, se os negativos fotográficos não receberem o devido preparo aqui em S. Paulo ?188
Os aspectos técnicos da conferência podem ser recuperados oportu¬ namente através da transcrição resumida publicada, em duas partes, no Boletim do Instituto de Engenharia, quase três meses depois189. O confronto com as provas técnicas apresentadas como exigência do edital completam esse primeiro panorama técnico sobre o processo.
Traldy faz o retrospecto da evolução técnica da fotogrametria e sua associação à aviação. Introduz breves quadros histórico e conceituai ao comentar etapas do processo produtivo. Primeiro, a transposição do registro fotográfico em projeção cônica para a projeção ortogonal. Segundo, a detenninação dos pontos de vistas de cada tomada e os processos empregados para restituição e produção cartográfica. Aos métodos analíticos para processamento das séries fotográficas surgem como alternativa processos ditos automáticos que farão uso de equipamentos complexos como o fotocartógrafo Nistri. Na segunda parte da apresentação, Traldy confronta o processo aerofotogramétrico frente ao terrestre quanto a limites técnicos relativos a grau de precisão, considerando aspectos como a nitidez da imagem em função da granulatura dos filmes fotográficos etc.
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Foto aérea vertical da Comune di Cerveteri, Itália, sem data. Processo 62.351/28
Acervo AHSP
O resumo da palestra de Traldy não é, contudo, claro ao leigo. Ao longo dos comentários sobre o processo de produção do contrato em questão, usaremos outras fontes para caraterizar as fases de trabalho190. A parte final da apresentação merece atenção pois faz menção aos trabalhos já realizados com o sistema. Traldy enfoca a produção de pequeno levantamento para a municipalidade de Milão, cobrindo área de 1.000 hectares, na escala de 1:2.000. São analisadas, agora em termos efetivos, as margens de erro planialtimétrico durante a operação.
É oportuno comentar, a partir desta referência, as provas técnicas apresentadas pelo proponente confonne exigência do edital em questão191. Em 25 de setembro de 1928, o embaixador brasileiro em Roma, Oscar de Teffé, remete ao prefeito Pires do Rio os documentos entregues pela S.A.R.A. O conjunto remanescente foi reunido na pasta com “documentos que acompanham a proposta”, incorporada ao processo 62.35 1/28192.
O conjunto apresenta 26 registros entre fotos aéreas, em dois formatos - 14 x 19 e 22,5 x 28,5 cm aproximadamente -, e pranchas cartográficas. Nem sempre identificados, nunca datados, e visivelmente desordenados, apesar da paginação do processo que parece posterior, ainda assim é possível identificar alguns serviços apresentados através desses documentos. Entre eles, levantamentos para as comunas de Milão e Cerveteri, e a região administrativa de Roma, podendo-se identificar aqui seu trecho litorâneo - Ostia, o “lago de Trajano”, porto construído por aquele imperador no século II, com sua excepcional configuração hexagonal etc.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Os mapas, em número de nove193, todos produzidos através do método Nistri, empregando o fotocartógrafo Nistri, aspecto devidamente identi¬ ficado, não datados, porém, são relativos a:
Governatorato di Roma - Ripartizione Vo- Ostia Fiumicino - escala 1:1.000 (2 pranchas), Ostia Scavi - escala: 1:1.000, [Monte Sacro] - escala 1:1.000
Comune di Cerveteri - Plano topográfico di Cerveteri - escala 1:2.000
Comune di Monterotondo - Tenuta Tor Macina - escala 1:2.000 (duas pranchas similares)
Comune di San Polo de Cavalieri — escala 1 :6.250
Grabels ([França]) - escala 1:5.000 93
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Piano topográfico di Cerveteri, Itália, sem data, visto aqui em detalhe.
Província de Roma, escala 1:2.000.
Levantamento realizado com o fotocartógrafo Nistri para o Ufficio dei Nuovo Catasto Italiano.
Processo 62.351/28
Acervo AHSP
O conjunto de trabalhos enviado chama a atenção de imediato por corresponder a coberturas de pequena extensão - 1,9 a 2,64 km2, nos casos em que foi possível determinar esse aspecto -, relativas a áreas urbanas de baixa densidade e, às vezes, em transição para zona rural. São aparentemente serviços pontuais, apresentados em pranchas com dimen¬ sões entre 100 x 70 a 50 x 50 cm. Por outro lado, a qualidade de impressão é uniforme, com exemplares de até 4 cores, respeitada a sinalética cartográfica, em sua maior parte nas escalas 1:1.000 e 1:2.000, destacando 94 assim a qualidade do método Nistri nestes parâmetros194-
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
As fotos aéreas que acompanham os mapas parecem hoje corresponder a um conjunto menor que o originalmente enviado. Não existem fotocartas (mosaicos) entre elas, apenas uma sequência de imagens, hoje incompleta, relativa ao levantamento de Ostia Fiumicino (Roma). Aqui percebe-se a intenção de encaminhar provas diretas, retificadas provavelmente, das tomadas aéreas (14 x 19 cm) e as ampliações correspondentes (22,5 x 28,5 cm), na mesma escala da cartografia impressa apresentada, orientação que aparece em parte nos demais conjuntos. É possível assim avaliar o resultado frente ao grau de ampliação de imagem adotado (2 a 5 vezes aproximadamente) em diferentes situações, como terrenos planos, morros, regiões edificadas ou áreas não ocupadas.
Carta enviada de Milão, em setembro de 1928, assinada provavelmente por Amedeo Nistri, inclusa no mesmo processo, à folha 32, encaminha os atestados comprobatórios195. Amedeo recomenda, mais uma vez, o método da empresa, que atenderá as tolerâncias indicadas no edital com larga margem, obedecida contudo a exigência que o método de triangulação utilize uma média de um ponto a cada 2 km2 de cobertura196. Dos atestados, que não são relacionados em nenhum momento, destacam-se197:
• Govematorato di Roma, datado de 6 de fevereiro de 1928, assinado pelo engenheiro-chefe do “Uffico II - Strade”, indicando que
as folhas de levantamento da Via Ostiense e do Quartiere Monte Sacro foram designadas à empresa S.A.R.A., e
• Istituto Sperimentale Zootécnico di Roma, datado de 23 de fevereiro de 1928, assinado pelo diretor D. Maymone, o qual exalta a rapidez e precisão do método, aplicado no levantamento de Tor Macina.
Se a conferência de Lourenço Traldy é a primeira ação para organização da empresa local que executaria o serviço concedido em concorrência à italiana S.A.R.A, representada por J. & H. Robba, serão necessários seis
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
meses para efetivar sua constituição. Apenas no ano seguinte, em 26 de abril de 1929, reunem-se em assembleia os cotistas, após encontro preparatório no início do mês, no dia 3198.
A proposta da empresa italiana, assinada por Umberto Nistri, é apresentada: constituição de sociedade com prazo de 3 anos, com capital de 1.200:000$000 (mil e duzentos contos de réis), em 2.400 ações de 500$000, sendo 50% do mesmo relativo à participação da proponente. Em 31 de dezembro de 1930, como consta do estatuto, a sociedade constituída deveria responder por sua continuidade ou dissolução.
Participam da reunião, além de João e Henrique Robba, e Adolpho Calliera, pela SARA, nomes conhecidos entre grandes investidores de São Paulo e do Rio de Janeiro como o Conde Alexandre Siciliano, representantes da Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo - IRFM, o Conde Egydio Pinotti Gamba, os Comendadores Braz Altieri e Giovanni Ugliengo, e Carlos Whately, Eduardo Ohareck, Getulio de Paula Santos, Henrique Pezzini e Vicente Santalucia. Aceita a proposta, é definida a diretoria e conselho fiscal.
Ganha forma jurídica a S.A.R.A. BRASIL S.A. - Instituto Brasileiro de Levantamento Aerophotogrammetrico 'Método Nistri', com sede à Rua Tenente Octávio Gomes n0 5 (hoje, 199), na Aclimação. Os estatutos são publicados junto com a ata da assembleia, bem como a lista de 25 subscritores. Nove deles correspondem a cota de 100 ações: Cotonifício Rodolfo Crespi, IRFM, os Condes Alexandre Siciliano e Egydio Pinotti Gamba, Antonio Tognoli, Florenço Dellarole, Getulio de Paula Santos, Luiz Prada e Vicente Santalucia. A Guinle Irmãos, firma carioca, responde por 60 ações. Com lotes de 40, surgem Adolpho Galliera, J. & H. Robba, Comendador Giovanni Ugliengo e Mario Whately. As demais 80 ações se distribuem entre 11 participantes, cinco deles com uma cada.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
.i4U6J
V«2
SARA BRAãlL S. A.
«TITüTO BRA6J lEIAO oe LCVANTAMeNT© AtWOI^OTOaRAMMeTeiCO “NtaTRr
3 Paulo, inwu 1 de Junho de 1929
*OC.IA»*i ^WU b
JVéJ/
/r
Exao. Snr. Dr . Piree do Rio D. D. Prefeito da Capital de SIo Paulo.
,4 D. DE OBDíS
I JUN (^9
A "3ABA BHASIL s/A” ( Instituto Brasileiro de Levan- tamento Aerophotofrraametrioo - üethodo Iliotri ), com séde nesta Capital, é rua Tenente Ootavio Comes R® 5, vem, reapeltosamen» te, pela presente, comaunioar a V. Rxoia., pela inoluaa publi» caçflo feita no "Diário Offioial'* do Eatad<^ os termos de soa oonatitiigto, occorrid* ea. 26 de Abril p.p.
Por ellea, scientificar-se-í V. Sxcia de que a Sooie- dade Anônima Rilevnmenti Aerofotosrammetricl ( S.A.R.A.) com séde ea Roma, titular do contracto celebrado oom a Sfuniaipall» dade de afio Paulo, para o levantamento topogTaphioo do Runioi- pio, entrou a faaer parte da "Sara Drasil 3/à", mediante oeuafio doa oeu3 direitos e obrigaçfies attinentes ao alludldo contraoto, cujo cumprimento paaaou a car~o du nova Sociedade, ficando, po¬ rém, a 3.A.R.A. de Roma, incuabida e responsável dn respectiva excoouçfio teohnioa.
A Direotoria é assim composta :
Conde Alexandre Siolliano,
Adolpho Calllera,
Huaberto Ristri, Dr. liar i o •rhately
Presidente Direotor Coral Dlreotoree
De V. Ixola. Att»a e Àdmre® Cr«m
e Dr. Arnaldo Duinle.
A nova Sooiedade dieptüe de techniooo de reoonhaoila ooopetenoia e está certa poder levar a effeito, oom geral satie» fn jBo, os trabalhos que lhe olo oonfiados.
n« v. ImM.
-a- 1 >»- **- *1<5
mfjí
Comunicado da S.A.R.A. Brasil à Prefeitura,
em 1 de junho de 1929, informa sobre a diretoria eleita.
Processo 34.061/29, f.l.
Acervo AHSP
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
A Prefeitura de São Paulo é informada por carta de primeiro de junho de 1 929 199 da constituição da empresa e seu registro. O texto indica que a empresa romana integra o quadro de sócios da nova companhia e cede “seus direitos e obrigações atinentes ao aludido contrato, cujo cumprimento passou a cargo da nova Sociedade, ficando, porém, a S.A.R.A. de Roma, incumbida e responsável da respectiva execução técnica”. A diretoria é apresentada nessa comunicação:
presidente Conde Alexandre Siciliano
diretor geral Adolpho Calliera
diretores Eng. Humberto Nistri, Dr. Mario Whately e
Dr. Arnaldo Guinle.
A transferência de contrato, não prevista no edital, gera conflito, em especial por não ter sido consultada a municipalidade. A orientação do Comissão Jurídica do Patrimônio, da Prefeitura de São Paulo, é acatada por Pires do Rio: “A SARA BRASIL S.A. poderia ser admitida, nesse negócio, como mera procuradora ou representante da contratante do serviço, mediante, porém, a habilitação legal. (...) continuando a S.A.R.A. de Roma, com única contratante do serviço, e única responsável por todas as obrigações constantes do contrato celebrado em 14 de Novembro do ano passado.”200
Ainda em 1 929, há alteração da diretoria, com mudança do estatuto que indica a participação agora em sua constituição de 6 membros, eleitos em assembleia geral, com mandato anual. Na assembleia, realizada em 25 de outubro de 1929, na sede da empresa na capital, Galliera, diretor geral, a quem compete a assinatura de todos os compromissos e os contatos comerciais, pede demissão, sendo indicado para a função Luiz Giobbi201, por unanimidade202.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
S.A.R.A. Brasil: início das operações em campo
Nada indica que a empresa vencedora deu início ao serviço no dia 14 de dezembro de 1928, conforme estabelece o contrato. A municipalidade, no entanto, dá andamento a sua parte na implantação das referências de nível. Conforme a cláusula 11 do contrato assinado, as referência serão implantadas e custeadas pela Prefeitura. São compostas por “um varão de bronze mergulhado em concreto e protegido por uma caixa de ferro fundido”, espaçadas de 3 km no perímetro suburbano e de 6 km nas estradas de rodagem fora daquela área. Sua distribuição estaria referenciada a cotas da Comissão Geográfica e Geológica localizadas na Várzea do Canno, Campo de Marte e Ipiranga203.
Em março de 1929, o prefeito autoriza as despesas - 4:344$000 - relativas à implantação dos marcos de nivelamento. Agenor Machado, pela Diretoria de Obras apresenta orçamentos para 104 caixas de ferro e igual número de varões, “iguais às fornecidas para a Comissão Geográfica e Geológica”204.
A imprensa indica a presença de Umberto Nistri em São Paulo, ao registrar sua visita ao gabinete do Prefeito Pires do Rio, em 8 de março. No encontro é acompanhado pelo engenheiro geógrafo Saverio Spagnoli, do Instituto Geográfico de Roma205. Comenta-se, na mesma fonte, a compra, pelo governo britânico, dos direitos do sistema Nistri para uso nos levantamentos das suas colônias.
Umberto, quase certo, deve ter chegado à cidade há pouco. E a visita ao prefeito seria gesto imediato, ainda mais com a visita que o acompanha. O resto do tempo deve ter sido ocupado estabelecendo as condições operacionais da empreitada, em especial o contato com os técnicos da prefeitura, os engenheiros de fiscalização e os Robba, responsáveis pelo serviços de voo, presumivelmente. Não há porém qualquer registro, até o momento, sobre essa fase de operações.
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
No dia 22 de março, o Instituto de Engenharia, em sua sede à Rua Cristovão Colombo, junto ao Largo São Francisco, recebe os convidados, a partir das 21 horas, para conferência de Umberto Nistri206. Apresentado como antigo oficial italiano, várias vezes condecorado na Grande Guerra, Umberto exibe projeções de fotos aéreas de cidades italianas e comenta o processo de produção207.
O evento conta com a presença, como destaca a imprensa, do prefeito José Pires do Rio, do cônsul Cav. Serafim Mazzolim e do vice-cônsul, e de Arthur Saboya, diretor de Obras Públicas. A abertura é feita por Luiz de Anhaia Mello, presidente do Instituto de Engenharia, que destaca a necessidade do levantamento topográfico do município como uma das condições para realização dos planos de ordenação urbana208.
A estadia de Nistri pode ter se estendido até 3 de abril, quando houve assembleia preparatória para constituição da S.A.R.A. Brasil, mas a reunião para sua constituição em 26 de abril não conta com sua participação, conforme ata publicada. No dia 25 de março, está em Santos, quando a comissão técnica do Aero Civil, da qual faz parte Georges Corbisier, delegado do Aero Club Brasileiro, entrega o brevet a João Costa. Umberto, “engenheiro diretor da Cia Nistri”, comparece ao banquete oferecido por Costa, após a cerimônia, no Hotel Internacional209.
Em termos práticos, quais foram as operações supervisionadas por Umberto nessa estada? A rede de nivelação devia estar em fase inicial de sua revisão e ampliação pela prefeitura. Isso demandaria uma mão de obra especializada e equipe de apoio. Restava assim treinar os Robba na captura de imagens e estabelecer a equipe para processamento dos negativos, checagem das imagens e refatura eventual.
Na falta de fontes, uma alternativa seria avaliar o que se sabe sobre 100 as preparações iniciais na empreitada carioca assumida pela The Aircraft
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Operating um ano antes. O relato do coordenador Cari Oelsner (1934, p.317)210, que constitui fonte preciosa, dá uma ideia das proporções da fase preparatória. Resta perguntar se elas se aplicariam ao caso paulistano.
Este contrato (...) entrou em vigor no dia 28 de março de 1928.
Os noventas dias seguintes, previstos no contrato se foram às pressas com a organização em Londres da Expedição para a América do Sul, compras de dúzia de instrumentos de alta precisão, fio de 'invar'2n, miras e trenas, tábuas de logaritmo; transporte de dois aeroplanos do tipo 'Moth 'para o Brasil, viagem dos peritos ingleses para cá e a montagem dos escritórios e laboratórios no Rio de Janeiro.
Até o dia 28 de Junho de 1928, quando expiravam os 3 meses iniciais, foram gastos quatro e meia centenas de contos de réis (451:849$780) para ser exato, a única soma que publico para justificar o pedido de um adiantamento de £ 15000 da parte da Companhia 212.
A equipe relacionada por Oeslner totaliza 145 participantes no Brasil! Note, porém, que o grupo de aviação envolve apenas 6 pessoas, sendo 2 pilotos e 2 mecânicos e o laboratório, 5 membros. Se parte da rede de nivelamento pode ter contado com a participação direta da Prefeitura, como a cláusula 11a do contrato permite supor, qual seria o número de empregados, entre técnicos e auxiliares para as demais operações de levantamento terrestre e reambulação, além do núcleo de coordenação e administração?
A ausência de informações sobre os primeiros passos da S.A.R.A. Brasil parece atingir os contemporâneos da empreitada paulistana. Em maio de 1 929, artigo em publicação técnica, a Revista de Engenharia, editada pelo Centro Acadêmico da Escola de Engenharia Mackenzie, é ocorrência rara213. Apresentado como notas sobre o levantamento aerofotogramétrico em andamento, seu autor o engenheiro Mario Miglioretti, tradutor da conferência de Traldy já mencionada, faz um balanço da empreitada.
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
O articulista, porém, não sabe mais do que a leitura do edital pode informar. Assim, como fornecedor dos equipamentos da Salmoraghi, comercializados pela La Filotecnica, com representação em São Paulo214, resta a ele comentar os equipamentos necessários a cada etapa, e as características e parâmetros estabelecidas para cada item, como basímetros, teodolitos, lunetas etc.
Uma hipótese deve ser levantada nesse momento, considerando o atraso no início das operações, que logo se anuncia. Ela diz respeito à capaci¬ dade da S.A.R.A. atender a essa empreitada, tanto pelas dimensões da área coberta como pela necessidade de estabelecer bases no exterior. Com a constituição tardia da “filial” brasileira, em abril de 1929, fato comunicado à prefeitura um mês depois como mencionado, o prazo contratual ia se esgarçando.
Uma primeira cronologia permite supor que os trabalhos de campo só têm início no segundo semestre. Carta de Umberto Nistri a Anhaia Mello, em 4 de fevereiro de 1931, na qual, além de apresentar o engenheiro Carlos Ronzoni, encarregado da direção técnica da sociedade em São Paulo, discute novos atrasos na empreitada, registra de forma clara que os trabalhos tiveram início efetivo em julho de 1929. Entres os motivos, Umberto justifica a demora devido a proble¬ mas metereológicos excepcionais e à necessidade de constituição da S.A.R.A. Brasil215.
Os problemas metereológicos, no caso, correspondem ao excepcional regime de chuvas no primeiro trimestre de 1929 que provocaram uma das maiores enchentes da história da cidade. Nada de novo, nesse aspecto, basta lembrar, por exemplo, as enchentes de 1892, que ilharam o centro histórico. Agora, a junção climática com a alegada má gestão dos reservatórios da Light acabaram por gerar uma situação complexa216. Certamente, um dos pontos afetados diria respeito ao próprio acesso ao Campo de Marte, em 102 Santana, onde os Robba atuavam nos últimos anos.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Mosaico fotográfico do Rio Tietê, realizado em 1929, provavelmente pelos irmãos Robba. Registro raro da extensão das enchentes de verão, o voo pode ter servido como experiência para equipe com os equipamentos a serem utilizados na empreitada vencida pela S.A.R. A.
Coleção particular
103
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R. A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Com o início efetivo dos trabalhos no segundo semestre, qual seria o impacto adicional da crise financeira mundial que estoura em outubro de 1929? Sabe- se que o choque sobre a economia italiana foi significativo, exigindo ações do estado para salvar bancos. Na falta de créditos internacionais, contariam os Nistri e Robba apenas com os investidores brasileiros. As operações, aparentemente atrasadas, sofrerão contínuas postergações.
Mosaico fotográfico do Rio Tietê, realizado em 1929, provavelmente pelos irmãos Robba. Embora haja danos pontuais devido ao contato com água e à ação de insetos, a conservação, considerando o caráter precário da montagem, é razoável. Em parte, ela foi garantida pela decisão de montagem das folhas sobre tecido (cartão entelado).
Coleção particular
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
É possível especular sobre aspectos técnicos da etapa inicial, afora a fase de organização administrativa e das equipes já mencionada, com base na experiência carioca. Lima (2013) e Silva (2012) trazem informações que permitem reconstituir outros aspectos, mas registro histórico valioso é apresentado por mosaico fotográfico realizado provavelmente pelos Robba no primeiro trimestre de 1929.
O documento remanescente, montado sobre folhas de cartão enteladas, traz sua identificação, em legenda central: “Rio Tietê/ Enchente de janeiro-março 1929”. A área coberta corresponde ao leito do rio em seu trecho que se estende da Vila Leopoldina, a oeste, até a região do Tatuapé, a leste. O voo foi realizado paralelamente ao leito do rio, em duas a três sequências.
O mosaico, com fotografias possivelmente não retificadas, possui montagem precária. Em algumas partes foram produzidas sequências menores para complementar trechos, mas ainda assim parte dessa longa faixa horizontal apresenta espaços vazios intermediários, sem registros de imagem, na altura do Bom Retiro. As fotografias, formato 13x18 cm aproximadamente, foram montadas sobre 7 folhas de cartão, enteladas no verso, o que garantiu, frente às condições improvisadas de arma¬ zenagem, sua preservação217.
O documento, com cerca de de 70 x 400 cm, é testemunho valioso. E plausível que seja resultado do treinamento improvisado dos pilotos, que ao contrário dos voos de acrobacia ou transporte de passageiros precisam agora de boas condições de visibilidade, iluminação vertical, baixa nebulosidade, precisão no percurso em linha reta, controle das derivações causadas por ventos etc, enquanto as operações da câmera são realizadas.
Traldy, em sua conferência em novembro de 1928, já introduz dados sobre câmeras, sem detalhar o processo de planejamento dos voos, como divisão de áreas, estabelecimento de rotas e alturas de voo conforme as escalas previstas, escolha de aviões etc.
105
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Uma máquina aerofotográfica expressamente estudada reúne as duas principais características que um aparelho desta espécie deve ter, isto é:
1) permitir a execução automática sem intervenção direta do aviador ou do observador, de ao menos 60 fotografias por armazém 218 e voando se podem sossegadamente carregar dois armazéns, tirando- se assim 120 fotografias.
2) as fotografias assim tiradas são de idêntica orientação interna, isto é, para cada uma se conhece, por meio de apropriados sinais que nela aparecem fotografados, a exata posição a respeito da objetiva no momento em que se apanha a fotografia219 .
É possível especular sobre aspectos adicionais como formato de negativo, câmeras e alturas de voo a partir de fontes variadas. Como vimos nas provas apresentadas na concorrência, o formato correspon¬ deria aproximadamente a 12 x 17 cm, desconsiderando as margens. Há registro em fontes da década de 1980, que teriam sido produzidos 4 mil negativos, no formato 13x18 cm219. Esse formato é utilizado no fotocartógrafo Nistri (IDOETA, 2004, p. 14-15). Câmeras como a AFL 92 produzida pela OMI, empresa do grupo Nistri, empregam por exemplo placas 13 x 18 cm, com dois chassis com capacidade de 84 folhas cada220. E possível, por fim, admitir como estabelecido em definitivo que o formato utilizado seja esse, considerando a documentação comprobatória apresentada em 1928, que analisa o método Nistri e indica expressamente em exemplo essas dimensões221.
O que é possível recuperar sobre a equipe de trabalho ou as etapas de captura de imagem e processamento? Muito pouco, além da experiência concreta da produção do improvisado mosaico sobre as enchentes do rio Tietê no início de 1929.
Com escritório na Aclimação, as operações devem contar com espaço 106 de apoio nas instalações do Aero Civil, que tem a concessão para
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
o Campo de Marte. Sobre as equipes de terra, a única inferência plausível pode ser feita a partir de solicitação da empresa à prefeitura relativa à isenção de taxa anual, para 1930, dos seus veículos automotivos: quatro caminhões e um carro de passageiro222.
As aeronaves empregadas são tópico de maior destaque em algumas tentativas de definição dos recursos empregados no levantamento. Destacam-se assim os aviões Fiat AS-1 e Caproni Ca-97. Erly Limas (2013, p. 72-73) apresenta imagens relevantes das aeronaves e em especial, do interior do Caproni com o conjunto para a câmera aerofotogramétrica223. No entanto, sabe-se que o serviço contava ao final de 1929 com outra aeronave, um modelo SVA.
Nota na imprensa, em meados de 1930, registra que o serviço de fotos teve início em janeiro de 1929, com os primeiros voos realizados com o aeroplano FIAT, de 90 hp, feitos pelo aviador Cesar Fischetti224. Este assumira a primeira fase dos voos225. Sobre a credibilidade na data de início é possível contestar, devido aos atrasos no serviço que surgem mais adiante. Quanto à participação dos irmãos Robba no projeto, esta parece ficar pouco a pouco restrita à atuação societária e à mediação durante a fase de concorrência, como representantes da S.A.R.A. O levantamento do Rio Tietê, realizado no início de 1929, mosaico em posse da família Robba, comentado anteriormente, pode ter sido um teste de equipamentos realizado por eles ou Cesar Fischetti. As exigências de voo para foto- grametria podem ter levado à decisão de contratação de um piloto com experiência no campo.
Seria oportuno retomar os parâmetros das aeronaves, já apresentados no caso da empreitada carioca a cargo da The Aircraft Operating Company. Com dois aviões, sendo um de reserva, contava a equipe com 2 pilotos e 2 mecânicos. Como indicado, o grupo empresarial britânico incluia um braço voltado para o desenvolvimento de aero¬ naves, o que garantia melhores condições de trabalho.
107
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Os Robba, que chegaram a contar com maior número de aeronaves anos antes, não deviam dispor de equipamento apropriado. Mesmo o primeiro avião - Fiat AS-1 - é ainda uma nave com carlinga aberta, com asa alta, acima da fuselagem. Achegada do Caproni em janeiro de 1930 pode ter sido motivada pela exigência de um equipamento adequado.
O modelo Fiat AS-1 é, de qualquer modo, novo. Lançado em 1929, tem envergadura de 10,4 m., comprimento pouco maior que 6 metros e altura de 2,53 m, com capacidade de 1 tripulante e 1 passageiro. Com peso de 410 kg, tem velocidade de cruzeiro de 140 km/h, máxima de 158 km/h, com autonomia de 5 horas. A altura de voo máxima varia entre 6.400 e 6.800 metros227. De origem, o modelo foi encomendado pelo governo ao fabricante italiano em janeiro de 1928, com o objetivo de atender desde o tráfego de turismo, aeroclubes e treinamento básico para aviação civil e militar. O primeiro exemplar entrou em teste em julho de 1928, sendo aprovado em fevereiro de 1929 pelo governo italiano.
Em novembro de 1929, a SARA Brasil informa o diretor de Obras e Viação, Arthur Saboya, sobre a chegada de um segundo avião, um SVA, para uso no levantamento. A pista, que sofrera com as últimas chuvas, precisaria ser prolongada, exigência que, embora não expressa, seria mandatória para o futuro Caproni228. O uso de um modelo S.V.A. - um acrônimo para os nomes de seus criadores Savoia, Verduzio, Ansaldo uma aeronave de cabine aberta, asa alta, com primeira versão lançada em 1917 na Itália, pennite pressupor que as dificuldades de capitalizar a empresa brasileira no contexto da crise financeira internacional eram significativas.
Embora não se saiba o modelo deste avião, nota na imprensa, em 1930, indica um motor de 220 F1P229. As primeiras versões do modelo foram usadas como aviões de observação militar. Continuaram em fabricação até o final da década de 1920, tendo boa difusão no mercado exterior. Muito velozes, atingindo entre 200 e 200 km/h e autonomia de 2,5 a 4 horas, mantiveram algumas características como envergadura das asas - 108 9,18 m, comprimento - 8,10 m, e altura - 2,65 m230.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
A chegada do Caproni Ca. 97 introduz em cena um avião de porte maior, no caso paulistano uma nave de destaque. Com capacidade para 2 tripu¬ lantes, o aparelho tem cabine fechada que pode abrigar até 6 passageiros conforme a configuração de fábrica. Com fabricação aprovada em 1927, teve várias configurações. Com envergadura de 15,95 m, possui compri¬ mento de 10,70 m e altura de 3,34 m. Com autonomia de 1.000 km, alcançando a altitude de 7.400 m, tem velocidade de cruzeiro de 188 km/h, máxima de 225 km/h231.
Finalmente em 2 de fevereiro de 1930, o Caproni 20.005 faz voo inaugural pilotado pelo “conhecido aviador” italiano Bartholomeu Cattaneo (1883- 1949), apesar da chuva forte que ainda cai na cidade. A imprensa registra o evento e comenta que os serviços do levantamento estão “bastante adiantados”232. A aeronave seria utilizada mais tarde, registram os jornais, em linha de passageiro que a SARA Brasil pretendia estabelecer no interior do estado233.
A presença de Cattaneo está ligada à montagem do aparelho, supervi¬ sionando a operação realizada pelos aviadores Cesare Fischetti, Fritz Roesler e Vasco Cinquini. Apontado como primeiro piloto brevetado na Itália, tem presença na América do Sul há muito anos. Em 16 de dezembro de 1910 faz a travessia do estuário do Rio da Prata em 90 minutos, saindo de Buenos Aires sob as vistas de grande multidão234. Sua presença no Brasil é registrada há quase duas décadas. Em 14 de dezembro de 1911, o jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, informa sobre a segunda “ascenção” do arrojado aviador, com renda destinada ao natal das crianças pobres235. Participa desde os primeiros momentos da VASP na década de 1930, permanecendo no país até sua morte em 1949 na cidade de São Paulo236.
O grande Caproni, aparentemente, destaca-se em São Paulo por sua configuração. Um ano depois continua a chamar a atenção. Em outubro de 1930, artigo no Correio Paulistano, traz comentário sobre passeio
109
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
pelos céus da cidade no Caproni, da SARA. O articulista, que destaca seu uso no levantamento topográfico da cidade, registra que o “mapa já tem sua primeira folha terminada. Um assombro de perfeição e rigor técnico”. Com outros companheiros da redação, participa do voo, sendo recebido entre outros por Vittorio Nistri237, da SARA.
Grupo da redação do jornal Correio Paulistano posa no dia 1 de outubro de 1930 no campo do Aero Civil, em frente ao grande Caproni. Da esquerda para a direita: "Angelo Capasso, o aviador Cattaneo, o técnico da S.A.R.A. sr. Vittorio Nistri, João Raymundo Ribeiro, Oswaldo Monti, Arthur Corrêa, João Cavalheiro e Oswaldo Guimarães".
RIBEIRO, João Raymundo. Das janelas do 'Caproni' N.20005.
Correio Paulistano, 5 de outubro de 1930, p.7.
110 Acervo Biblioteca Nacional
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Sobre a etapa de voo propriamente, não há dados para avaliação do cronograma do levantamento. Alguns autores chegam a especular sobre altura de voos a partir de referências em textos de Agenor Machado, fiscal do serviço indicado pela Prefeitura, mas não parece haver margem segura para essa inferência. Haveria pelos menos duas sequências de voo para cada escala prevista.
Agenor Machado fará em 1934, na Escola de Engenharia Mackenzie, conferência sobre aplicações da aerofotogrametria. Ao analisar o rendimento e a precisão do levantamento com o emprego do fotocartógrafo Nistri, Machado revela dados sobre a captura de imagens. Os voos para o mapea¬ mento na escala 1:1.000 foram realizados a 1.000 metros de altura. Em escala 1:5.000, às alturas de 2.000 e 3.600 metros238.
Mais uma vez, é interessante retomar ao relato de Cari Oelsner (1934), sobre o levantamento carioca. E possível compreender parte das operações e parâmetros, embora os produtos previstos, com pranchas nas escalas 1:1.000, 1:2.000, 1:5.000 e 1:20.000, implicassem em orientações próprias. Empregando dois hidroplanos, tipo Puss Moth, com 120 hp, com veloci¬ dade de voo de 130 km/h, foram feitos voos em 3 altitudes: 1.524, 2.133 e 3.657 metros239, utilizando uma câmera automática Eagle, a “preferida” da Royal Air Force.
Nem todos os dias de sol e aparente clareza atmosférica servem para tirar fotografias aéreas de uma altura de 12000 pés (3700 m), sendo a primeira condição não haver nuvens e que o calor não produza ondulações no ar, as quais destroem a clareza necessária para se obter de uma distância tão apreciável uma fotografia perfeita e nítida, cobrindo uma área de ca 3 km.2 com uma chapa de 17,8 cm.
X 17,8 cm. de tamanho.
Semanas e semanas se passam às vezes em que de manhã cedo os pilotos se levantam e olhando para o céu, achavam que 'o dia não serve'. As nossas 78 horas de voos levaram quase 8 meses, de
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
atenção diária e muita paciência. O Serviço Metereológico fornecia gratuitamente as observações diárias pelo telefone a respeito das condições atmosféricas.
As horas mais próprias para a tiragem das fotografias aéreas são das 10,30 horas da manhã até 1,30 da tarde, sendo as sombras produzidas pelo sol versus edifícios ou árvores reduzidas ao minimo efeito. O tempo ideal é ao meio-dia. Isso é importante para a confecção dos mosaicos, os quais representam em escala exata uma planta topográfica que não foi interpretada no terreno. A maior preocupação dos pilotos é de saber que as áreas, que foram voadas e cobertas em voos paralelos (trips), não contêm aberturas laterais (gaps). Assim que o avião amerisava, os rolos de filmes, contando cada um 100 exposições, eram levados ás pressas para o laboratório, imediatamente revelados e juntados como mostra o clichê n. ° 6.
Como se pode verificar o piloto vôava com a necessária precisão, não mostrando o ajuntamento uma única abertura. Isto é o resultado da prática, considerando que os nossos aviadores voavam seus fs trips' sem demarcação terrestre, guiando-se pela bússola e notando a desviação pelo vento (drift), e, levando consigo para a orientação um mapa do Serviço Geográfico Militar. Para encher os 'gaps ' semanas e semanas de espera são necessárias, às vezes, se a visibilidade e a clareza não permitem a repetição do voo parcial. ”
(OESLNER, 1934, p.321)
O panorama de trabalho, em São Paulo, não devia ser muito diferente. Com particularidades locais, como a temporada de chuva, a presença de nevoeiros em detenninados períodos, e, em especial, as enchentes que, afinal, mudavam o aspecto urbano. Voltando para o solo, nada sabemos sobre a estrutura de apoio, ao menos sobre os laboratórios. Seria necessário checar a qualidade do material obtido, a existência de vazios na cobertura 112 etc. E, enquanto isso, acompanhar os trabalhos da rede de nivelação etc240.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
A equipe de terra responsável por receber as chapas fotográficas tinha como funções primordiais a revelação e produção de positivos, quase certo apenas cópias contato, e checagem da qualidade uniforme dos registros finais, bem como apontar os eventuais vazios (gaps) nas sequên¬ cias de imagens. Este aspecto era importante para o planejamento dos voos. Isso implicava na elaboração de mosaicos fotográficos para essa primeira avaliação, provavelmente não “controlados” como veremos adiante. Enfim, um vasto material a ser organizado e registrado, junto com as cadernetas etc, tarefa essencial, em especial, considerando que a equipe de trabalho estava dividida entre dois continentes, com ligação marítima unicamente.
Das cadernetas de campo das turmas de terra, dos planos de voo sobre a cidade nada se sabe. A historiografia especializada ora aponta a perda de material nos escritórios da SARA romana na Grande Guerra ou o desaparecimento, sem precisar momento e local (MACHADO, 2010, n.p.). O contrato de serviço era preciso: a entrega de toda a documentação, no caso negativos, fotos etc, era prevista241.
No entanto, como vimos, é possível hoje confirmar com alguma segurança o formato e suporte dos negativos utilizados. Pode-se ainda tomar como referências as fotos aéreas apresentadas pela empresa como provas comprovatórias. Nesse quadro, uma série de dez fotos aéreas da cidade, datadas do início da década de 1930, chama a atenção242. Incorporadas ao acervo do AHSP há décadas, sem qualquer informação adicional, sem anotações no verso, nem no envelope enviado, fica em aberto sua origem243.
Articulá-las em mosaico surpreende. Surge aqui, com rigor, área delimitada pelas Avenidas Paulista e Brigadeiro Luís Antonio, ao sul. Seguindo um percurso, curto, ao longo de duas linhas paralelas dispostas em diagonal descendente de 45 graus, descortinam-se as quadras tomadas por grandes casarões que vão dando lugar ao casario pobre em direção ao grotão do Bexiga, na parte superior do conjunto.
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Na página anterior, fotografia aérea vertical, parte de um conjunto de 10 imagens pertencentes à coleção fotográfica do AHSP, que pode ter origem na cobertura realizada pela S.A.R.A. Brasil.
O registro integra sequência que cobre trecho da Avenida Paulista, entre as Ruas Frei Caneca e Teixeira Silva, excepcional registro dessa região, destacando aqui, na vertical, a Avenida Paulista, terceira via da
esquerda para a direita.
A primeira via, na horizontal, ao alto, corresponde à Rua Pamplona, vendo-se a quadra onde se localizava a residência da Família Matarazzo.
Abaixo, seguem-se as Alamedas Campinas e Eugênio de Lima. As imagens não possuem marcas, à semelhança do mosaico do Rio Tietê reproduzido anteriormente, como indicadores de serviço, data, hora, orientação geográfica etc, exceção feita à máscara similar nas bordas.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Montagem comparativa de fotografia aérea vertical de trecho da Av. Paulista, entre a Rua Pamplona e Alameda Campinas, frente a detalhes das pranchas impressas nas escalas 1:5.000 e 1:1.000, nas extremidades, permite confirmar que o registro fotográfico é contemporâneo ao levantamento realizado pela SARA Brasil.
Década de 1930.
Acervo AHSP
117
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Mosaico fotográfico parcial da Avenida Paulista, a partir de 10 cópias impressas - registros 590 a 599 - localizadas na coleção fotográfica do AHSP.
Montagem meramente indicativa, com algumas imagens omitidas, mas sendo mantida a área de cobertura.
Década de 1930.
119
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
O efetivo valor histórico inerente desses registros, reproduzidos neste ensaio como mosaico parcial e através de uma única imagem em destaque, frente à possibilidade de integrarem a produção do Mapa Topográfico, transforma-os em marco raro da historiografia da fotogrametria no Brasil. Um aspecto final reforça a procedência do conjunto, as imagens apresentam o terreno em escala 1:5.000.
Uma outra ocorrência, no campo privado, merece ser citada. Tratam-se também de registros fotográficos. Quase certo, são negativos gerados no processo de retificação de imagem, pelo qual a perspectiva cônica, característica da tomada fotográfica por câmeras, será transformada em perspectiva ortogonal, permitindo a construção de mosaicos. Na coleção do pesquisador Rubens Fernandes Junior encontram-se dois negativos flexíveis, que registram parte da região do Pacaembu. Adquiridas no início da década de 2000, integravam séries de registros sequenciados que chegaram ao mercado de antiguidades. Em formato similar ao das câmeras utilizadas (13 x 18 cm), embalados em envelopes com timbre da SARA Brasil, essas ocorrências, que integrariam a documentação técnica, evidenciam que esta chegou efetivamente ao Brasil244.
O contrato tem também seus andamentos administrativos em outros níveis. Em setembro de 1929, carta da SARA Brasil ao prefeito Pires do Rio, pede a liberação dos cupons vencidos em 1 de julho, relativos aos juros correspondentes à caução exigida pelo contrato245. Por outro lado, a empresa está presente em momentos significativos, como as homenagens ao piloto Vasco Cinquini, em janeiro de 1930, morto em Santos. Cinquini pilotava seu novo avião, que acabara de chegar junto com o Caproni, da SARA. No evento em honra ao piloto, na sede da Aero Civil, reunindo toda a comunidade de aviação paulistana, entre as coroas está aquela enviada pela SARA Brasil S/A246.
A grande novidade no início de 1930 é, como vimos, a chegada do 1 20 Caproni Ca-97. Com o andamento, e provável finalização, da fase de fotos
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
de campo no primeiro semestre, a principal arena de operações é transferida para a Itália, na sede romana da S.A.R.A.
Ganha destaque a participação do engenheiro Agenor Machado, membro da comissão de fiscalização dos serviços, junto com Georges Corbisier e Silvio Noronha, servidores municipais. Machado, engenheiro ajudante da Comissão Geográfica e Geológica, é cedido pela Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio247. Em 14 de março de 1930, é formalmente indicado pelo prefeito248, designando-o “para exercer a fiscalização dos trabalhos de restituição, desenho e impressão do mapa topográfico do Município, em Roma, sendo-lhe dispensado o auxílio de um conto de réis mensal para despesas de viagem”.
De início, Agenor deve ter supervisionado os trabalhos de solo, como a implantação dos marcos de nivelamento249. Em março de 1929, marcando quase certo uma de suas primeiras ações, ele solicita ao diretor de Obras e Viação Arthur Saboya providências para autorização das despesas, no valor de 4:344$000, para implantação daqueles marcos250. Ainda que faltem detalhes sobre as operações, sabe-se que a parte geodésica estava a cargo do engenheiro Saverio Spagnol e a de nivelamento, o engenheiro Mott251. De Spagnoli, sabemos apenas que em março de 1929 acompanhara Umberto Nistri, em visita ao prefeito, sendo apresentado então como membro do Instituto Geográfico de Roma.
Roma, primavera de 1930
Agenor chega à Itália em abril de 193 0252. Quase certo a tempo de acompanhar os primeiros trabalhos de restituição nas oficinas dos Nistri. A maneira do levantamento carioca, em menor número, visitas oficiais fazem parte do roteiro.
Em maio de 1930, no dia 13, o embaixador brasileiro em Roma, Oscar de Teffé, visita o estabelecimento Nistri. Está acompanhado de Agenor
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Roma, escritórios da S.A.R.A, 13 de maio de 1930. O Embaixador Oscar de Teffé, ao centro, visita as oficinas acompanhado do engenheiro fiscal Agenor Machado, à direita.
Umberto Nistri, à esquerda, recebe o diplomata. Correio Paulistano, 6 de junho de 1930, p.5.
Acervo Arquivo Público do Estado de São Paulo
122
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Machado. “O embaixador do Brasil visitou detalhadamente todas as depen¬ dências da companhia, examinando minuciosamente todos os aparelhos empregados...”253. Embora noticiado na imprensa paulista no dia 15 de maio, apenas duas semanas depois extenso artigo no Correio Paulistano faz um balanço da empreitada254.
Aqui, surge foto de grupo, no qual Umberto, Oscar e Agenor posam frente ao que parece ser o fotocartógrafo Nistri empregado no serviço. É possível confirmar vários dados como a participação efetiva de Catta- neo, pilotando o Caproni, bem como a previsão das primeiras folhas para julho seguinte. Até mesmo a participação de Agenor Machado, em congresso cartográfico, em setembro é mencionada.
No dia 14 de maio, nova visita ocorre quando da estadia em Roma do deputado Plinio Salgado. Acompanhado de jornalistas brasileiros, é recebido nas oficinas por Umberto Nistri e Agenor Machado. Após o encontro, o deputado seguiu para reunião com o primeiro ministro italiano, Mussolini255.
O desafio de Umberto Nistri e sua equipe é produzir a primeira prancha da cartografia impressa. A fase de restituição é ponto-chave.
Antes as cópias fotográficas deveriam ser retificadas, fazendo a transposição da perspectiva cônica para a cilíndrica, e organizadas em mosaicos256. A retificação seria controlada mediante pontos de referência na imagem, com posições planialtimétricas obtidas em campo. A ordenação das imagens sucessivas (strips)257 permitiria assim criar mosaicos controlados. Lembre¬ mos que os produtos finais da concorrência paulistana incluíam a entrega tanto das pranchas impressas quanto das respectivas fotocartas.
O centro do processo, no caso da empreitada da S.A.R.A Brasil o ponto de destaque, são os equipamentos restituidores desenvolvidos por Umberto Nistri, desde o final da década de 1910. Eles permitiam “automatizar” o processo de restituição, gerando diretamente as pranchas
123
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
cartográficas258. Data de maio de 1919, sua primeira patente na Itália, de número 1774490, relativa a “Aparelho para obter a planta topográfica a partir de fotografias aéreas estereoscópicas” (SELVINI, 2012, p. 13). No ano seguinte, ganha forma o primeiro modelo restituidor Nistri - o Estereoprojetógrafo, numa tradução ligeira para “Stereoproiettografo”, conforme Selvini (idem).
Uma decisão importante será tomada neste momento, e questionada pelo engenheiro fiscal em Roma: a produção da primeira prancha cartográfica na escala 1:1.000, na qual o processo seria exigido ao máximo. Certamente Umberto queria obter, caso fosse bem sucedido, uma situação favorável ao projeto como forma de compensar o flagrante atraso na empreitada. Essa primeira prancha tomaria quatro meses de trabalho, comentaria Machado, devendo ter sido iniciada entre fevereiro e março de 1930.
Umberto desenvolvera sucessivos modelos de restituidores fotográficos, em especial os modelos II, em 1925, e III, em 1929, no qual seria efetivamente processado o mapa topográfico de São Paulo. Há uma diversidade de modelos Nistri com diferentes aplicações como o fotócartógrafo, o foto- estereógrafo, o fotomúltiplo, para escalas médias, e o estereógrafo, para levantamentos rápidos259.
Os restituidores são basicamente fomiados por dois conjuntos. Um primeiro, destinado ao posicionamento de uma sequência de registros fotográficos no espaço conforme posição das mesmas no momento de tomada. E um segundo, que constitui efetivamente o sistema para determinação e tracejamento das curvas de níveis.
Embora esses aparelhos trabalhem com o conceito da estereoscopia, articulando imagens sucessivas, e, portanto, entendendo-se assim a sobreposição necessária entre as fotografias, nem todos os restituidores 124 se utilizam efetivamente da visão estereoscópica como a conhecemos.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Fotocartó grafo Nistri, em modelo não identificado, possivelmente a segunda versão.
Observe à esquerda, o conjunto ótico para posicionamento de chapas, que se integra neste caso a amplo grupo para tracejamento das pranchas. Os textos inclusos na proposta apresentada na empresa, ao comentar a qualidade dos seus equipamentos, indicam que eram maiores
que os dos demais fornecedores.
Acervo SARA Nistri
125
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
126
O maior grupo de restituidores para determinação e tracejam ento mecânico da carta, naquele período, usa o recurso estereofotogramétrico, como os modelos Hugershoff, Zeiss etc. Um segundo grupo, ao qual a própria SARA acreditava ser a única a operar então, emprega o método Nistri260. Aqui o sistema utiliza o cintilamento261, no qual cada par de imagem era exposto alternadamente num curto período de tempo, permitindo determinar os pontos com a mesma altura, reconstituindo as curvas de nível “automaticamente”.
A empreitada utilizou, segundo Selvini (2012, p.14), o modelo III do fotocartógrafo Nistri - Aeronomal. Empregado no levantamento de Palermo, permitiu a produção da primeira planta cadastral italiana com o sistema262. O modelo, ainda que mais compacto que o anterior, é referenciado pelos Nistri como maior que os demais aparelhos restituidores.
Fotocartógrafo Nistri, em modelo reproduzido na obra de Paulo Mesquita (1950).
Embora os artigos de Selvini (2012) sejam mais precisos, nenhum dos registros visuais disponíveis apresenta os equipamentos em operação. Mesquita é, ressalve-se, mais objetivo na descrição do sistema. Nesta imagem, o uso do processo de cintilamento, e não a projeção estereoscópica, é revelado pelos semicírculos posicionados em frente às fontes de projeção à esquerda.
Coleção particular.
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
127
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
A primeira folha: o Bom Retiro
Agosto de 1930, a primeira folha, na escala 1:1.000, está pronta, em Roma. Em 30 de setembro, a imprensa paulistana reproduz a prancha, junto com o retrato e o depoimento de Umberto Nistri sobre o andamento do serviço263. Mais tarde, identificada como folha 37/22, a prancha apresenta trecho do Bom Retiro, entre as grandes estações ferroviárias e o Jardim da Luz264.
Em setembro ainda, na Europa, o professor Gino Cassinis (1885-1964), da Escola de Engenharia da Universidade de Pisa, apresenta no terceiro congresso internacional de fotogrametria realizado em Zurique, Suíça, o relatório de Agenor Machado, engenheiro fiscal do serviço, sobre o resultado alcançado nessa primeira folha.
Estrategicamente, munido da valiosa prancha, o engenheiro Umberto, por sua vez, embarca no dia 13 de setembro em Gênova rumo à América do Sul265. No dia 24, chega ao Rio, rumo ao sul, a bordo do 'Giulio Cesare'266. No dia seguinte chega a Santos, trazendo alguns itens destinados ao serviço - “dois aparelhos estereoscópios e uma bússola de aviação”267.
Em paralelo revela-se que operação fundamental está em curso: a prorrogação do contrato. No dia 4 de outubro, data que aparece meio apagada na carta assinada por Luis Giobbi, em papel timbrado da SARA Brasil, seu diretor geral solicita - “em vistas das dificuldades diversas e imprevistas que se apresentaram no decorrer da execução do serviço, como fossem as inundações, crise financeira e outras” - a concessão de prorrogação do prazo de entrega dos trabalhos (processo 50.495/30, f.l). Giobbi propõe um novo cronograma, parcelado:
a zona urbana, em escala 1:1.000, até o final de abril de 1931, a zona suburbana, em escala 1:5.000, até o final de junho de 1931, e o restante de todo o material, até o final de outubro do mesmo ano.
129
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
130
Solicitados a opinar pelo diretor de Obras, Arthur Saboya, os fiscais do serviço Georges Corbisier e Silvio Noronha declararam em 10 de outubro que os motivos apresentados são perfeitamente justos. O atraso médio seria de seis meses, como informam. Considerando o prazo de dois anos, estabelecido por contrato, além do limite máximo para início das obras, o cronograma inicial venceria nos primeiros meses de 1931, permitindo supor que o atraso efetivo era maior.
Outro imprevisto estava surgindo, em paralelo a essas decisões: a Revolução de 30. No entanto, ainda que o governo provisório nomeasse sucessivos prefeitos nos meses seguintes, permitindo pressupor alguma perturbação no andamento dos processos administrativos, a justificativa é aceita em 1 1 de dezembro por Anhaia Mello268.
Agenor Machado não acompanhou Nistri em sua viagem a São Paulo. Embora tivesse solicitado autorização para participar no congresso em Zurique, na falta de resposta visitara a exposição internacional de fotogrametria, que ocorria em paralelo na Escola Politécnica local269. Os trabalhos de restituição estavam em andamento, informa Machado, e assim aproveita para estudar os processos de reprodução litográfica. As diversas experiências realizadas em Roma não apresentaram resultado satisfatório, o que leva a decidir em favor do Istituto Geográfico De Agostini, em Novara.
Em Zurique me entendi com diversos professores, entre eles os Drs. Baeschlin e Zeller, nomes de reputação mundial, aos quais pedi conselhos e sugestões, bem como travei relações com os diretores da fábrica de instrumentos de engenharia Henri Wild, de Heerbrugg, com quem combinei de seguir um curso prático de fotogrametria aplicado ao autógrafo Wild, nos seus estabelecimentos. Visitei também algumas empresas litográficas em Zurique e em Berna, tendo colhido dados interessantes para a S.A.R.A., e teria estudado melhor os modernos aparelhos de engenharia que hoje fabricam
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
as firmas Kern, Zeiss, etc., se a minha presença em Roma não fosse necessária para informar aos diretores da S.A.R.A. sobre o que tinha observado e o que era aplicável aos trabalhos em execução.
(Processo 59.758/30, f.4)
Oportunamente, a avaliação dos primeiros resultados do levantamento, tema que seria apresentado por Gino Cassinis em conferência270 no terceiro congresso da International Society of Photogrammetry (ISP), é publicada em São Paulo.
Em outubro de 1930, a Revista de Engenharia, editada pelo Centro Acadêmico Horácio Lane da Escola de Engenharia Mackenzie, traz o artigo Os primeiros resultados obtidos no levantamento aerophoto- grammetrico de São Paulom. A análise aqui apresentada corresponde à comunicação enviada ao congresso, a qual será continuamente referen¬ ciada nos anos seguintes. Ela enfoca estritamente a primeira folha recebida, publicada na imprensa local como vimos, embora não seja referenciada no texto. O autor é objetivo no propósito da avaliação, feita em agosto, na cidade de Roma272:
Este, que é o processo aerofotogramétrico Nistri, na sua essência, pouco diverge dos demais similares, porém implica uma técnica própria de campo e de restituição. Empregado pela primeira vez em serviço realmente orgânico de grande extensão, o seu resultado deve despertar interesse, não somente para se ter um conhecimento dos seus erros, como também para compará-los com os fornecidos recentemente por Hugershojf em seu trabalho intitulado 'Photogrammetrie und Luftbildwesen'. Para a Prefeitura de S. Paulo, contudo, bastava que os erros verificados na folha não ultrapassassem os toleráveis pelo contrato que, no presente caso, permitia uma divergência de posição planimétrica de qualquer ponto igual a meio metro. Como, porém, era a primeira vez na América do Sul que se verificava o erro de um trabalho desse gênero e
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
132
a primeira vez em todo o mundo que um governo municipal empreendia um levantamento completo dos seus domínios, é natural que se tenha curiosidade de conhecer as divergências encontradas, e igualmente os erros médios que essas fornecem.
Os operadores de S. Paulo executaram, na zona abrangida pela folha enviada, 924 medidas lineares distribuídas em 53 alinhamentos diversos e 24 determinações de cotas. Nenhum instrumento especial de medida foi empregado além dos usados comumente, e os pontos no terreno não eram assinalados com marcos, de maneira, a serem identificados com absoluta segurança. A verificação teve um caráter essencialmente prático, e é justamente ai que está o seu valor. Em resumo, procurou-se ver que precisão se alcançaria na prática ordinária e não que exatidão que se pode atingir com o método devido ao eng. ° Nistri.
(MACHADO, 1930b, p.207)
Apenas em 2013, Erly Lima fará a avaliação do relatório de Agenor, aferido agora em confronto com recursos topográficos atuais, dentro dos limites que os registros apresentados no artigo permitem avaliar273. Para Machado, os erros registrados eram compatíveis com as exigências do edital, atingindo na planimetria ± 0,48 m, desprezados 12 observações com “divergência exagerada”, e na altimetria ± 0,20 m274. Nota curiosa, na apreciação em Machado, diz respeito à fornia como justifica as discrepâncias encontradas com erros máximos na planimetria.
Do quadro acima verifica-se que o processo garante em geral uma divergência inferior a 0,50 ms, porém ainda está sujeito a erros que podem atingir a 1,50 ms. Estes, no caso presente, se explicam pelo fato dos operadores do fotocartógrafo serem ainda novatos, com poucos meses de experiência e estarem a 12000 kms. do terreno que foi levantado e que nunca viram. Podem também ser atribuídos a um concorrência de erros de restituição e de verificação, pois, como se disse, nenhum método especial de
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
verificação foi empregado. Quanto aos 12 erros de grandeza superior a 1,50 ms. evidentemente trata(m)-se de enganos, ou melhor, de erros grosseiros a que está sempre sujeito um trabalho de topografia, isso devido à sua insignificante frequência. (MACHADO, 1930b, p.207)
Agenor Machado, mais a frente, em conferência realizada em São Paulo em 1934, já mencionada, comentará o rendimento e precisão dos equi¬ pamentos de restituição empregados. Sabe-se então que a restituição na escala 1:1.000 apresenta um rendimento mensal de 80 a 120 hectares por mês, por aparelho, considerando-se uma carga horária mensal de 200 horas. Essa produção incluia as fases de reconhecimento e revisão no campo, no caso de São Paulo. Para a escala 1:5.000, Machado indica voos realizados a 2.000 e 3.600 metros, cuja restituição implicou, respectivamente, na produção de 400 a 600 hectares, por mês e por aparelho, e 800 a 1.300 hectares, nas mesmas unidades275.
No prelo, depois de alguns atrasos
Distante de São Paulo, palco das mudanças políticas imediatas ao movimento revolucionário de 1930, Agenor Machado, envolvido na escolha dos processos de impressão litográfica e das empresas gráficas aptas para o serviço, envia, com data de 6 de dezembro, um relato de 7 páginas ao prefeito276 sobre atividades desenvolvidas. É relevante comentar que a continuidade da empreitada, não chegou a ser ameaçada, tendo sido o engenheiro fiscal em Roma informado em ofício, de 13 de novembro, sobre sua permanência na comissão “que tem por fim fiscalizar os trabalhos de restituição, desenho e impressão do mapa topográfico (...)” (processo 59.758/30, f.l).
É certo que os trabalhos em São Paulo, quanto aos voos, deviam ter sido encerrados, salvo aqueles necessários à solução de problemas eventuais. Na Itália o trabalho terá novo desenvolvimento com as remessas de
133
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
134
folhas para a reambulação, na qual as equipes em São Paulo deverão checar erros, solicitar ajustes e o que for necessário para, então, finalizar os desenhos cartográficos e encaminhar as matrizes para impressão gráfica.
De volta à Itália, Umberto Nistri precisa vencer dois desafios: em seis meses, a entrega das pranchas em escala 1:1.000, e, dois meses depois, das pranchas em escala 1:5. 00 0277. Esses prazos não serão cumpridos.
Agenor, em seu relato enviado ao prefeito, no dia 6 de dezembro de 1930, acaba por revelar que os motivos de atraso eram mais complexos: “Devido ao movimento revolucionário no nosso país os dirigentes da S.A.R.A., receando uma rescisão de contrato, suspenderam temporariamente parte dos trabalhos em execução, de sorte que esses se atrasaram de um tempo apreciável. ” (processo 59.758/30, f.5)
A situação é mais complexa. A empresa brasileira estava negociando com a antiga administração municipal um adiantamento monetário: “(...) seja como pagamento de trabalhos que poderia apresentar e que serviriam de garantia, seja mediante um regular modificação de contrato, isso porque se viu em certa dificuldade financeira, em virtude dos acionistas da SARA Brasil não terem entrado com as respectivas quotas subscritas no ato da criação da sociedade”, (idem, f 5-6). Os diretores da empresa teriam tomado, nessa direção, medidas para aliviar as despesas.
Assim, por exemplo, entre outras, acharam que a impressão das folhas só se fará quando houver um número considerável convenientemente acabado, e isto se a Prefeitura confirmar o entendimento que estava estabelecido, pelo qual ela obrigava a pagar os trabalhos apresentados antes da expiração do contrato. Este não exige nenhuma entrega antecipada de serviço, e, como tanto a sociedade como a Prefeitura têm interesse de publicar as folhas já concluídas, é lógico que a apresentação de um trabalho por parte da primeira exige um
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
pagamento por parte da Prefeitura. A edição definitiva da folha 37/22, na escala de 1:1000 [nosso grifo], já está pronta e será expedida mais tarde com as que estão agora em andamento, caso V. Exa., não deseje a sua entrega imediata.
(idem, f.6-7)278
Com idas e vindas de correspondências, os trabalhos caminhavam279. Em carta datada de 4 de fevereiro de 1931, Umberto Nistri informava a Anhaia Mello, que o serviço relativo às folhas na escala 1:1.000, cerca de 60 pranchas, estava “a buon ponto”280. Essa tarefa representava volume considerável da empreitada, "uma vez que o trabalho restante em 1:5.000, tanto pela escala quanto pela menor precisão, em conjunto com a menor quantidade de detalhes planimétricos, é muito mais fácil e mais rápido”. Embora justificado por Nistri, é necessário lembrar que este iiltimo conjunto correspondia a 69 pranchas, das quais 16 em dimensões especiais.
A escolha da gráfica, em fevereiro de 1931, não estava decidida em definitivo. Umberto prometia na mesma comunicação enviar o mais breve uma série de provas executadas por Gino Cassinis, na Universidade de Pisa, com processos análogos ao dos fornecedores alemães.
Os resultados alcançados por nós, como mostrará a comparação, são superiores seja do ponto de vista simplesmente comparativo, seja inerentemente, porque enquanto os alemães executam suas provas cartográficas até [a escala] 1:5.000 (e dizem que a partir deste limite a aerofotogrametria não é conveniente, porque neste limite os erros que se cometam [na restituição] podem ser incorporados aos gráficos, máxima precisão da medida da paralaxe angular2*1) , nós, ao contrário, podemos ir até [às escalas] 1:1. 000 e 1:500, como demonstram experiências realizadas anteriormente e as cartas já executadas, nas mesmas cotas de tomadas das fotografias, ou seja, nas mesmas condições.
(Processo 19.748/31, f.2)
135
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
Apesar da redação algo confusa, o trecho é claro ao reafirmar um dos aspectos inovadores da empreitada, ou seja a produção do mapeamento na escala 1 : 1 .000282. E, finalizando, Umberto solicita uma antecipação de pagamento pelos trabalhos realizados283.
O que era quase certo, acontece. Em 13 de maio de 1931, Georges Corbisier informa, pela 7a Seção da Diretoria de Obras e Viação, ao diretor Arthur Saboya, que a Società Anônima Relievamenti Aereofoto- grammetrici de Roma deixou de fazer entrega das plantas na escala 1:1.000. A data limite era 30 de abril. Ordena-se, no dia 14, notificar as duas empresas e discute-se a aplicação de penalidades284. Giobbi, pelo Instituto Brasileiro de Levantamento Aerophotogrammetrico, denomi¬ nação complementar da SARA Brasil, responde quase duas semanas depois. Informa que já comunicou o escritório em Roma para envio imediato das folhas285.
Essas recorrentes questões de atraso e pagamentos acabam, hoje, por serem úteis na reconstituição das etapas de trabalho. Umberto Nistri escreve ao prefeito em 12 de junho de 1931. Mais uma vez surgem referências aos atrasos no trabalho, dificuldades financeiras enfrentadas e a impossibilidade em conseguir da prefeitura uma antecipação de pagamentos. Esses aspectos, afirma, foram resolvidos pela empresa que foi forçada a intervir financeiramente no projeto para assegurar a continuidade dos trabalhos286.
De fonna curiosa, Umberto justifica o andamento dos serviços. Ao invés da produção das pranchas na escala 1:5.000 - “la scala piú facile”-, optou- se pela 1:1.000, cujo grau de detalhamento impedia proceder com a rapidez desejada. Não há nenhum registro nos processos que indique que o autor dessa decisão não fosse a própria empresa. Desejava ela, como comentado linhas acima, obter com a apresentação de um produto de qualidade, nessa escala considerada difícil, uma alteração dos prazos e, 136 talvez, melhores condições financeiras?
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
Sabe-se agora que a primeira folha - a prancha hl 122 - fora enviada a São Paulo no início de fevereiro de 1931 para revisão287. As demais 57, relativas à zona urbana, numa extensão de 3.520 hectares, foram enviadas sucessivamente a cada partida de navio. As remessas 2 e 3 foram extraviadas durante o envio, sendo substituídas. Ao final de março, as primeiras folhas revisadas e assinadas pela comissão de controle chegavam a Roma288. Agora, para agilizar o serviço, seriam enviadas novas folhas para revisão, de 4 a 10 folhas a cada partida de navio para o Brasil, ao mesmo tempo que as aprovadas seguiam para impressão.
A cobertura na escala 1:1.000, segundo Umberto, num total de 58 folhas, lembremos desse número, teria sido executadas “em menos de um ano”. A restitução na escala 1:5.000 estava em bom andamento, não exigindo, reforça, revisão tão acurada como a anteriormente executada. Num dos próximos embarques começariam a ser enviadas as primeiras pranchas, Desse modo ao final da prorrogação negociada em outubro de 1930, a parte mais importante do trabalho estará realizada e pouco faltará para a finalização, nas suas palavras.
Nistri finaliza, pedindo ao prefeito para enviar alguém de confiança para avaliar os trabalhos, os valores a serem pagos e autorizar seu andamento. O que significa isso? As relações com Agenor Machado, engenheiro fiscal em Roma, teriam apresentado algum problema? Umberto mencionara que Agenor, que poderia ter resolvido tudo sozinho, decidira recorrer aos demais membros da comissão fiscal para sanar dúvidas sobre algumas medições de controle. O conflito deve ter sido significativo, pois o engenheiro fiscal escreve ao prefeito no dia 18 de junho, comentado a carta de Nistri de seis dias antes289.
Mais uma vez, é esta uma oportunidade notável para recuperar o andamento desta etapa. As pranchas enviadas para revisão eram cópias fotográficas. O conflito surge no fato que a empresa decidiu usar uma escala não usual para esse serviço. Agenor comunicara essa questão por cartas sucessivas à
137
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
138
diretoria de Obras e Viação em cinco oportunidades, entre fevereiro e maio de 1931. Sabemos também que já seguira pelo correio a edição final da prancha 37/23.
No dia 24 de julho, é protocolada a entrega na 7a Seção da Diretoria de Obras de carta do Istituto Geográfico De Agostini, datada de 30 do mês anterior. A sociedade anônima, com sede em Novara e filial em Roma, à Via Stamperia, informa à prefeitura que a SARA dera ordem para impressão da carta topográfica, serviço que será feito rapidamete290.
A escolha final do Istituto Geográfico De Agostini não é nova. Relato de Agenor Machado, enviado de Roma em 6 de dezembro de 1930, indica a decisão do engenheiro fiscal nessa direção291. Fundada em Roma no ano de 1901, pelo geógrafo Giovanni De Agostini, a empresa volta-se de início a edições de atlas, mapas e produtos relacionados. Sete anos depois, em 1908, transfere sua sede para Novara. Mantém sua produção no campo da geografia, mas sucessivas mudanças de controle da empresa levarão a empresa, a partir do segundo pós-guerra, a transformar-se em um conglomerado ativo hoje em 30 países, situado entre os grandes nomes editoriais italianos292.
Nova carta do Istituto Geográfico De Agostini, datada de 3 de agosto, é enviada à Prefeitura293. Como a anterior, informa terem sido escolhidos pela SARA para impressão, porém, de uma carta topográfica do Estado de São Paulo! Apesar desse tropeço, traz novas informações, a mais importante é confirmar o desafio técnico dessa empreitada.
Tratando-se de um trabalho em escala não usual, até agora não realizado para qualquer cliente, o trabalho apresenta graves dificuldades técnicas, e acreditamos ser justo afirmar que nenhuma outra empresa do gênero na Eumpa poderia entregar um prvduto mais perfeito, e em tempo relativamente breve, estando todos os estabelecimentos do setor habituados a imprimir cartas geográficas, ou topográficas, com escala não inferior a 1:5.000. (Processo 38.838/31, f.l)
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
O missivista aponta os cuidados necessários para garantir uma repro¬ dução que atenda ao grau de precisão empregado no processo de resti¬ tuição. E necessário planejamento gráfico, que garanta condições como a permanência prévia do papel em “secadores especiais”, visando a esta¬ bilidade dimensional do papel antes da impressão, bem como o cuidado com o registro gráfico das diferentes cores.
Desse modo o tempo empregado em experimentação e provas acabara por atrasar a entrega da primeira folha, “....mas estamos comprometidos com a respeitável S.A.R.A. de entregar as primeiras quinze folhas que temos em andamento, seguidas no mês de agosto de outras dez folhas e quinze para cada um dos meses seguintes”. Pode-se deduzir assim que o conjunto de 58 pranchas, na escala 1:1.000, só estaria completo em novembro de 1931. Folha anexa à carta traz a relação de pranchas, a serem embarcadas no primeiro navio, todas relativas à carta 1:1.000, sempre referida como do Estado de São Paulo294.
Começa aqui uma sucessão de informes registrando as chegadas parciais. Muitas são notas de embarques, informações sobre problemas aduaneiros etc. Das 58 pranchas previstas para a escala em preparo, a tiragem prevista em contrato era de mil exemplares. Em algum momento, houve mudança desse número para 3 mil. A entrega parcelada se estenderá295. Entre 6 de agosto e 10 de setembro, seguem 4 remessas com a tiragem de 3 mil relativas a 17 pranchas, além das 6 cópias, de cada prancha, em tela de linho transparente para reproduções. E o que informa em balanço das entregas carta da empresa italiana, em 14 de setembro de 1931, que solicita o “aceite” da prefeitura296.
Pari passu, Luis Giobbi, diretor geral da SARA Brasil, escreve ao prefeito, em 18 de setembro, solicitando “prorrogação de prazo para entrega de todos os serviços de levantamento topográfico do Município de São Paulo, até a data de 30 de Junho de 1932”297. Os pareceres serão favoráveis, sendo em 1 de outubro concedidos apenas mais 6 meses298.
139
Preparando o terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: restituindo O Mapa Topográfico do Município de São Paulo
As razões apresentadas, consideradas justas, dizem respeito à capacidade limitada do Instituto Cartográfico De Agostini na entrega de 15 a 20 folhas por mês, à supressão de um navio postal na escala da empresa contratada, às dificuldades financeiras frente à crise mundial e aos preços unitários praticados, considerando-se em especial que o contrato não previa nem adiantamentos nem pagamentos parciais299.
Torna-se difícil estabelecer uma cronologia das atividades a partir do último trimestre de 1931. Não há qualquer menção explícita à produção do conjunto de pranchas em escala 1:5. OOO300. Em abril de 1932, a empresa solicita a prorrogação de prazo de “todos os serviços” até 31 de outubro301. Uma breve tensão se estabelece. Em 2 de maio o engenheiro Georges Corbisier, pronuncia-se, à folha 2, contra o atendimento por acreditar que os motivos “não são bastantes para que o pedido seja atendido ainda mais que para eles a Prefeitura em nada contribuiu”. O superior, Arthur Saboya, vai na mesma direção e nega, por ser desleal com os demais concorrentes, o que levará a providências para multar a empresa.
Seis meses depois, em 15 de outubro, novo processo tem inicial dos fiscais Corbisier e Noronha ao diretor Saboya apresentando os desdo¬ bramentos do despacho acima. A empresa recebera como penalidade contratual a multa diária de 200$000 a partir de maio. O total acumulado ultrapassava agora o valor da caução de 30:000$000. Parecer da procu¬ radoria, à folha 2, apresenta duas possibilidades: ou a intimação da contratante para depósito da diferença, sob pena do saldo ser descontado dos futuros pagamentos após entregas dos produtos previstos, ou a anulação do contrato, com perda da caução. Saboya opta pelo depósito da diferença e indeferimento da prorrogação até outubro de 1932, solicitada em abril.
Nem a documentação processual localizada, nem outras fontes como 140 a imprensa permitem traçar o panorama a partir daí. Na verdade, nada se
Separata do Informativo AHSP n° 37: dez. 2014
sabe a partir de abril de 1932, quando Giobbi solicita a terceira prorrogação. Lembremos que o intervalo entre abril e outubro, foi em parte tomado pelos conflitos revolucionários a partir do levante paulista em 9 de julho302. Quando Saboya despacha em 15 de outubro sobre o processo ele o faz como prefeito interino, entre 3 de outubro e 28 de dezembro, por